Bula de Livro: Chão em Chamas, de Juan Rulfo

Bula de Livro: Chão em Chamas, de Juan Rulfo

Li “Chão em Chamas”, de Juan Rulfo, e gostei. Na verdade, é um dos melhores livros de contos que li na vida. Existem sertões, descampados e agrestes e existe a Literatura de Juan Rulfo, onde tudo isso se encontra, maior, intensificado. O sol é mais quente, a terra é mais seca e o céu é cinza. “Chão em Chamas” é um primor de escrita e inventividade. É uma das mais bem feitas coleções de contos realizadas em língua espanhola. Rivaliza, à altura, com “Olhos de Cão Azul”, de Gabriel García Márquez, ou “Ficções”, de Jorge Luis Borges. Não pelo estilo, obviamente, mas pelo apuro da escrita, pela grandiosidade literária.

Os contos “Talpa” e “Luvina” cortam como navalha. São a quintessência da obra Rulfiana, imortalizado pelo cultuado “Pedro Páramo”, obra maior da Literatura mexicana e cânone da Literatura mundial. Esses contos são a tradução da cruzada humana sobre a terra, rústica e insensível, sobre a qual caminham as personagens insólitas, a beira da derrota, do abismo e do caos, insistentemente. O conto homônimo do título planta a semente da saga narrada em “Meridiano de Sangue, de Cormac McCarthy. No deserto da solidão, ancestral e inspirador, estão elementos criadores do universo de sua obra maior.

Para Rulfo, o deserto é a personagem central, e ele tem vida e motivos, ambienta a história de ruína de muitas vidas: “E acima daquela terra estava o céu vazio, sem nuvens, só a poeira; mas a poesia não faz nenhuma sombra”.

Rulfo é influenciador de outros, de muitos. Conhecido como o mestre do corte, tem a característica de ser econômico com as palavras, o que não o impede de ser lírico, incisivo e dilacerar, com analogias, cenários e personagens, o fio tênue da realidade, e tecer histórias, como em “Chão em Chamas”, que são imortais pela verossimilhança crua com a realidade de um povo e, simultaneamente, em igual intensidade, tratar do fantástico e do metafisico com uma habilidade fabulosa.

É preciso ler os contos de Rulfo, entender seu assombro e sua absoluta capacidade de enxergar no escuro, na aflição das horas terríveis. E que isso seja feito enquanto é dia, claro e simples, pois “algum dia a noite chegará”.


Livro: Chão em Chamas
Autor: Juan Rulfo
Tradução: Eric Nepomuceno
Páginas: 208 páginas
Editora: José Olympio
Nota: 10/10