Esta vida está cheia de ocultos caminhos

Esta vida está cheia de ocultos caminhos

Gosto da ideia de haver um “Dia de Finados”. Evidentemente, trazemos os nossos mortos dentro de nós todos os dias; ter um dia específico para os homenagear me parece, ainda assim, algo importante. Philippe Ariès, claro, desvendou esses mistérios do luto para nós todos.

Não vou a cemitérios no dia 2 de novembro (vou em outros dias, e também sempre visito cemitérios quando viajo), mas penso bastante nos que se foram. Neste ano, amigos, filhos de amigos, meu tio e meu pai, uma ferida ainda não suturada. E me recordo de tanta gente: Celso, Isanulfo, Servito… Lembro-me do Diogo, que me dizia que iria morrer com 30 e poucos anos e cumpriu a promessa, o sacana. E da Palmeiras de Goiás da minha infância, quase toda morta, meu avô, muitos tios e tias, a própria ideia de “Palmeiras de Goiás”, com suas casas — também mortas? — em que eu me perdia dos adultos (o que eu não daria hoje, meus Deus, para me perder “dos adultos” por uns poucos dias…).

O homem Diante da Morte
O Homem Diante da Morte, de Philippe Ariès  (Editora Unesp, 838 páginas)

E há os mortos em vida: doem tanto quanto os demais. Os amigos que nos traíram, os amores que se perderam (esses sangram todos os dias), as boas coisas em nós que deixamos petrificar. A gente vai ficando meio de borco com tanto peso (e Drummond transformou isso em arte na sua reunião de vivos e mortos do imensamente belo “A Mesa”. Não conhecem? Azar de vocês…). Fazer o quê? “O sertão é dentro de nós.”

Há a ideia de que tudo morre para que exista renascimento, dizem-nos as religiões e a biologia nos comprova. Tudo muito belo, mas os renascimentos são para os outros, para o continuar da vida aqui no tal vale de lágrimas; para nós, aqui e agora, nada renascerá. O sobrinho novo renova a vida da família, mas não traz em si o que amávamos no pai que se foi; o novo amor vem com algum travo da morte do anterior; e o novo dia chega inevitavelmente com a ideia de finitude que nos persegue. Existe, e todos nos espantamos com isso, quem parece conseguir largar esses pesos com algum ar de convicta força — mas eu os olho e sei que a âncora do passado está ali para os fundear, ainda que disfarcem; restará apenas saber se o fundo em que ela repousará será firme ou instável (no meu caso, a âncora cai sempre em pântano movediço).

“Esta vida está cheia de ocultos caminhos. Se o senhor souber, sabe; não sabendo, não me entenderá.”