Lendo na guerra

Lendo na guerra

Escrevi em algum lugar que funciono como aqueles soldadinhos de brinquedo em que é necessário dar corda para que eles saiam por aí fazendo as suas soldadices. Em matéria de leitura, por exemplo, a corda óbvia dos últimos dias me levou a ler o que me veio às mãos sobre a Rússia e a Ucrânia; assim, o livro de Robert Massie sobre Pedro, o Grande era o nº 1.347 da minha lista e saltou para o primeiro lugar, com honras.

Em verdade vos digo, meus amigos, Massie era um extraordinário contador de histórias, e a graça e mestria de sua escrita ficam ainda mais evidentes quando o comparamos com, digamos, “The Ukrainians, Unexpected Nation”, acadêmico, correto — e chatíssimo (e ainda assim lido, porque não abandono amigos chatos — todo livro é um amigo —, justamente para eu mesmo não ser também abandonado).

Pedro, o Grande: Sua Vida e Seu Mundo, de Robert K. Massie (Editora Manole, 1174 páginas)

O problema é que, claro está, de crise em crise e de interesse em interesse não consigo dar conta do que planejo ler; notem que, no momento, até um livro sobre Belarus, que conhecíamos por Bielo-Rússia nos mapas antigos (Bielorrússia?), está sendo lido. Poderia ser uma forma de — vá lá a expressão, torcendo para que o Face não saiba latim — coitus interruptus literário; ocorre, contudo, que fui agraciado com alguns dos sete pecados capitais e, por onde passo, pelo menos duas ou três das dez pragas do Egito comparecem em seguida, mas também, obrigado, Senhor!, por uma memória que me permite retomar qualquer leitura muitos anos depois de iniciada. É por isso que tenho lido “Dom Quixote” (comecei em 1998) e “Guerra e Paz” (desde 2001) em suaves prestações (e penso que, no caso de Tolstói, poderei alegar boicote preventivo, caso as sanções contra os russos continuem descendo a níveis infantilizados — na verdade, continuarão, já o sabemos: se gastamos anos nos esforçando para recriar o mundo adulto como uma Disneylândia de brinquedos e também como uma revista “Cláudia” de sentimentalismo, não podemos reclamar).

Dirão os infelizes, também chamados “práticos e empreendedores”, que leituras assim são uma espécie de fuga mundi (novamente testando o Zucka aqui). Bobagem: os livros fazem é nos esfregar a vida nas fuças, não tanto quanto presidentes-comediantes que, com força, dignidade e até savoir-vivre com certo humor numa tragédia, nos recordam das nossas tristes covardias e pequenezas, mas quase no mesmo nível.

Outro problema — ou o mesmo — é que hoje encontraram o “Endurance”, e agora preciso ler ou reler tudo sobre Shackleton e sua missão, sem contar que, tendo lido o nome de Miguel Romanov, o primeiro czar da sua dinastia, e avisado de que cancelaram, em protesto, o estrogonofe do cardápio de um famoso bar de São Paulo, senti uma imensa vontade de reler “Miguel Strogoff”, um das dezenas de livros de Júlio Verne que me deram imenso prazer na adolescência, época em que nem mesmo Chernobyl me fazia procurar livros sobre usinas nucleares.

Mas… E essa delegação dos Estados Unidos na Venezuela? Talvez seja a hora de ler sobre petróleo no livro de Daniel Yergin, nº 2.584 da lista.