Bazófia acima de tudo

Bazófia acima de tudo

Dois eventos desagradáveis perturbaram o meu ócio sagrado neste último domingo. O primeiro foi que, apenas tardiamente, eu me dava conta de que uma infestação de cochonilhas estava a ponto de matar o meu cróton. Que jardineiro infiel eu havia me tornado, capaz de abandonar o pobre vegetal à sanha daqueles bichos asquerosos. Imperdoável. O segundo: notícias do periódico dominical comentavam sobre rumores de impeachment do rei da Bazófia. Que tristeza! Quanta ingratidão com o nosso monarca.  

Há um velho adágio que diz: primeiro a obrigação, depois a devoção (ou a diversão). Alguns pensadores contemporâneos contestam a assertiva e defendem que tais conceitos não seriam excludentes e poderiam coexistir amigavelmente. Pode ser. De fato, em condições normais, tanto cuidar do jardim como ler o jornal seriam a mais pura diversão. Mas no atual contexto, ambas se convertem na mais premente obrigação. No entanto, uma delas teria que ser mais obrigação do que a outra. Sendo pragmático, arbitrei que, primeiro, eu deveria me ocupar da questão do impeachment.

Fui às notícias. Acredito que os leitores (refiro-me aos cidadãos de bem, obviamente) façam uma ideia do quão penoso foi concluir a leitura do caderno de política. A imprensa bazofiana sendo a de sempre: aleivosa e interesseira. Como hienas oportunistas, os jornalistas continuavam a usar as suas penas rancorosas para atacar o homem probo, o honrado rei da Bazófia. Meu Deus, quanta maledicência! Quanta blasfêmia!

Mas, afinal, quais acusações pesam sobre o rei? São tão numerosas quanto absurdas. Acusam-no de crime de responsabilidade e omissão, violação aos direitos humanos, abuso de poder, violação das leis ambientais, genocídio indígena, ataque a servidores e instituições. Com relação à pandemia, acusam-no de propagar o negacionismo, de sabotar as políticas de saúde e de incentivar a população a medicar-se com garrafadas sem eficácia comprovada. Até as mortes por falta de oxigênio ocorridas numa província do norte foram jogadas nas costas do coitado. Por último, acusam-no de atrasar o início da vacinação contra a tal peste. Tudo ele! Falam em 60 pedidos de impeachment. Um despautério total. O que mais os irrita é que não podem acusá-lo de pedaladas fiscais. Esse, sim, é um crime de lesa-pátria.

Respirei fundo. Pedi ajuda aos céus para suportar tanta revolta e fui cumprir a segunda obrigação do dia. A situação do cróton era deplorável. As malditas cochonilhas o atacaram, impiedosamente, deixando os galhos mirrados e as folhas secas e opacas. Ainda empapado de compaixão, vi naquele cróton sofrido a própria imagem do rei da Bazófia. O rei patriota, verde-amarelo como as folhas do cróton, sendo consumido pela ira dos predadores. A metáfora era perfeita. As cochonilhas eram os jornalistas que o atacavam sem trégua e preparavam o terreno para outros seres oportunistas: fungos e formigas doceiras. Os fungos eram os esquerdistas nojentos. As formigas doceiras eram os súditos ingratos que apoiaram o rei e agora queriam sua cabeça.

Mas não se iludam, seus vermes. O rei vencerá. Está nas sagradas escrituras: “Prepara-se o cavalo para o dia da batalha, mas o Senhor é que dá a vitória”. Força, Majestade. A sociedade das pessoas de bem está com o senhor. Sempre estaremos. A Bazófia acima de tudo, Deus acima de todos.