O Brasil que eu quero para o futuro  tem menos gente pedante, chata e hipócrita

O Brasil que eu quero para o futuro tem menos gente pedante, chata e hipócrita

O Brasil que eu quero para o futuro tem menos gente pedante, chata e hipócrita. Há menos vaidade, menos fotos de si mesmo e muito, muito mais solidariedade entre o povo. Nessas plagas futurísticas, vigora uma “baianidade” velada nas relações interpessoais e se vive sem pressa de morrer. Por vontade da maioria, as redes sociais digitais foram trocadas por redes cearenses atadas a coqueiros de praias paradisíacas. Você não faz ideia da paz que restou e do quanto caiu o consumo de Rivotril em território nacional.

No Brasil que eu quero para o futuro, o inferno não é mais aqui. Tem menos missa e mais mousse nas mesas da massa. Prevalece um exagero de afetos, uma epidemia de beijos e abraços que deixa os famigerados torpedos telefônicos com cara de risco n’água. No Brasil que eu quero para o futuro, ninguém mais tem sede de justiça, pois, ela já funciona plenamente para todos os homens, de forma equânime, mesmo que você seja um deputado, um promotor ou um juiz. Apesar disso, continuamos nos arriscando ao xingar as genitoras dos árbitros de futebol. Foi mantido, também, o foro privilegiado para aqueles que se perdem no pecado da gula, pois, a fome acabou e os seres humanos foram dispensados de revirar as lixeiras em busca de comida. Por causa disso, o poema “O bicho”, de Manuel Bandeira, tornou-se, felizmente, uma triste recordação de um passado com injustiça social.

No Brasil que eu quero para o futuro, a solidão já era, a não ser nos casos em que ela é perseguida de forma deliberada, em manobras pessoais de meditação e de autoconhecimento. Juro que, se eu me encontrar, eu me mato. Brincadeiras às favas, de maneira geral, na mídia que vigora no Brasil que eu quero para o futuro, a burrice e o mau gosto não são mais exaltados como se fossem joia cultural. Não acontece a ultrajante inversão de valores, embora, o papai-e-mamãe continue a ser um tipo de conjunção carnal largamente negligenciado pelos casais, assim como o cuspe enquanto lubrificante íntimo. Parece sem sentido. E tem mais incoerência de onde essa veio: a poesia volta a ser lida nas escolas; os seresteiros já não são mais assaltados de madrugada e se ouve música popular brasileira de excelente qualidade tocando nos bares. Por consequência dos gostos apurados, a bunda fica peremptoriamente excluída da categoria “instrumentos musicais”.

O Brasil que eu quero para o futuro não abandona os velhos em asilos. Existe um interesse particular, enorme, por parte de todos, em beber da fonte da experiência de quem já viveu bastante. No Brasil que eu quero para o futuro, a previdência social funciona na sua plenitude, os cidadãos honestos são a maioria e eles têm sempre, no mínimo, um dos olhos mirados no passado, a fim de não repetir os erros históricos. Nesse país futurista, não se vota em fascista e o lugar das Forças Armadas, já ficou combinado com os generais, ou é num quartel, ou é numa guerra, se um dia ela suceder, tomara que não.

O Brasil que eu quero para o futuro tem menos televisão na sala e mais cadeiras na calçada. Todos pela rua se autoproclamam “big brothers”, numa ingenuidade fofa jamais vista na história desse país. O povo, simplesmente, tem opinião própria, um algo a acrescentar, pois, no exato instante em que redijo este texto, há um sem número de crianças empoleiradas nas pontas dos pés sobre pilhas de livros, muitos deles, clássicos da literatura mundial, a espiar pelas janelas das casas desse lugar imagético. No Brasil que eu quero para o futuro a literatura de autoajuda virou uma espécie de estorvo e a gurizada, depois da leitura, quica a bola na rua, na várzea, como nos velhos tempos, sem medo de arrancar o tampo do dedo, de perder um pênalti ou de levar uma bala perdida.

Lava-se a roupa suja nas pedras dos rios que cortam o Brasil que eu quero para o futuro. Homens e mulheres, lado a lado, irmanados no trabalho e nos ganhos financeiros dele logrados. No Brasil que eu quero para o futuro, a principal forma de feminicídio é cometida com o mister da rosa, uma gentileza que não acaba mais. Caminha-se muito, pedala-se muito e a passarinhada cisma em voltar a cantar nos bosques e nos canteiros das praças. E tem mais: quem constrói um edifício toma vaia da galera. Isso sempre funciona para aplacar a avidez e cobiça das grandes construtoras.

Continuam, sim, felizmente, as longas filas nos hospitais públicos deste país que eu quero para o futuro. Não é de ver que um monte de gente saudável retorna às unidades de saúde do SUS tão somente para agradecer as equipes pelo tratamento diligente, universal e competente? No Brasil que eu quero para o futuro, não nasce mais ninguém numa calçada, não morre mais ninguém numa maca, e tanto os cientistas saudáveis quanto os malucos são muito bem quistos e têm os seus projetos de pesquisa financiados pelo Estado.

De vez em quando, alguém pensa em suicídio, mas, isso é raro. Quase ninguém sonha em se mudar para as nações mais ricas, os chamados países de primeiro mundo. Primeiro, porque ninguém mais anda querendo cair fora; segundo, porque o Brasil que eu quero para o futuro se transformou num lugar tão bom, mas, tão bom de se viver, que já tem uma leva de norte-americanos com olhinhos azuis querendo aqui imigrar. E não somos nós que vamos levantar muros nas fronteiras. O Brasil que eu quero para o futuro é um país livre, justo e plural, como o singular coração de uma mãe.