O amor é frágil. Segure com cuidado

O amor é frágil. Segure com cuidado

Em algumas circunstâncias, Deus deve aprovar o desamor. Estou convicta disso. Sim, sou uma ateia confessa, é fato, quase ia me esquecendo disso, tens razão, não possuo a mínima autoridade mística requerível para incitar o suposto arquiteto-de-tudo-o-que-existe nesse risível universo particular. O autoritarismo, não; o autoritarismo sempre foi contigo, tu bem o sabes. Também não aprendi a amar com comedimento. Amei-te tola e desmedidamente, como não se deve jamais um ser humano amar a outro, nem mesmo uma mãe à própria prole. Os filhos voam, mas, a saudade que se sente deles é uma pedra com um par de asas que não vai a lugar nenhum.

Usa a tua imaginação, se ainda resta na tua mente alguma capacidade de abstração. Vê, mentaliza agora a mulher simples, proletária, ordinária, a tua chamada gorda criatura, a cada dia mais mais leve e livre de ressentimentos, que dança e cantarola pobretona, seminua, enquanto escreve com os próprios dedos palavras confessionais na areia. Um dia, quebraste a minha mão no batente da porta, não sei se te recordas deste incidente furioso, afinal, foram incontáveis as juras de amor que me dedicaste intercaladas aos mais ardilosos atos de perversidade contra “a mulher da tua vida”.

O amor quase sempre morre por acidente, bala ou de inanição. São coisas que acontecem. A imaturidade fez de mim uma boboca que por muito pouco não se especializava em auto-piedade. Nota agora a verve, com que diligência a minha mão cicatrizada de ti rabisca o chão. Não há uma só nuvem no céu azul. As gaivotas alardeiam em voos rasantes sobre mim, é como se quisessem ler meu desagravo. O sol brilha sobre o meu corpo radiante avariado pelo tempo e pela maternidade: gordurinhas localizadas, o levante das estrias, um enorme rasgo no baixo ventre, de fora a fora, por onde vazaram os três pirralhos que vieram ao mundo com a missão de me graduarem no curso do bem querer. Acho que sou uma mulher limpa, saudável, íntegra, e o dia está lindo para ser gasto com melancolia.

Não te iludas, o destino não pode querer ser nada. O destino nada mais é do que um somatório de ações e da falta delas. Atribuir o fracasso de um relacionamento à simples obra do acaso é puro escapismo, covardia, falta de argumentos. Digo e reafirmo que, quem diria, nunca estive tão bem quanto estou agora. Se Deus realmente existe, será testemunha ocular e idônea do quanto tenho sido feliz longe de ti, dos teus tentáculos asfixiantes, das tuas bravatas humilhantes que me atingiam profundamente no corpo, na mente, e que faziam de mim uma reles coadjuvante, cuja autoestima era incansavelmente sugada por tuas ventosas potentes. Estou mais contente do que uma rosa balançando num daqueles canteiros coloridos de Holambra.

É chegada a hora. A primeira onda da maré alta quebra-se suavemente sobre os meus pés. Não há dor alguma. Há o sol e muita vida pela frente. Sinto-me exultante. Descobri que posso me virar sem ti. Que não passarei fome. Que não morrerei à míngua. Que não sentirei medo. Que não terminarei os meus dias num prostíbulo de quinta categoria ou no divã de um especialista em desajustadas emocionais. Que outro homem vai sim, senhor, me desejar à essa altura da vida. Aliás, agora há pouco, um pescador com pássaros doces no olhar garantiu que me traria, até o final do dia, o mais saboroso peixe que conseguisse pescar. Devo estar tão atraente quanto uma piscina azul num dia de calor excruciante.

Antes o sol e o mar, do que as tempestades de um passado triste. Não, eu não nasci de novo. Na verdade, eu nem mesmo cheguei a morrer, embora, não posso negar, algumas vezes, pensei em me auto-aniquilar. Eu sobrevivi ao teu jugo. Agora, vou entrar nessas águas verdinhas e não vai ser para me afogar. Palmas para o mergulho refrescante há tanto tempo adiado! A ideia é flutuar, deixar-me levar no colo das ondas, com calma e confiança, para onde o mar quiser me levar, de preferência, para longe, longe de ti.