3 séries da Netflix que farão você não querer sair de casa esta semana Ricardo Hubss / Netflix

3 séries da Netflix que farão você não querer sair de casa esta semana

Na vastidão da experiência humana, pairam a brutalidade da morte, a fraqueza do corpo, a resistência da alma, os desejos, uma identidade em permanente conflito e a culpa, tudo remexido pelas mãos impiedosas da natureza. Explorar esses conceitos é caminhar sobre gelo fino, em que cada passo pode ser o último ao ecoar a memória do sofrimento e o chamado feroz da vida que insiste em pulsar, fio de luz que atravessa o breu mais denso. Mesmo diante das maiores adversidades — guerra, doença, fracasso, solidão — há uma força que resiste, silenciosa, nos empurrando, uma energia qualquer que não toca à ciência ou à razão. Ela nasce da esperança, na flor que rompe o asfalto, no sorriso entre lágrimas de despedida, e revela sua face milagrosa.

Em meio à dor mais doída, ela insiste que ainda há tempo, que ainda resta algo por fazer. Viver é driblar a tentação do cansaço. É se convencer de que amanhã será mesmo outro dia. Traumas instalam-se sem pedir licença, se eternizam e distorcem a percepção que temos do mundo, do outro e de nós próprios. Eles fragmentam as memórias, as emoções e promovem mudanças bruscas, radicais, transformando o que julgávamos uma certeza. Esse processo desencadeia angústias que não acham eco no vocabulário. A linguagem falha frente ao inominável, e o silêncio vira a fortaleza mórbida daquele que guarda um pesar agudo. As cicatrizes de vivências funestas prolongam-se por gerações, suscitando uma herança de medo. 

Escolhas implicam responsabilidade. Alguém que sobrevive a uma tragédia pode sentir o peso de permanecer vivo. Então, martela a pergunta: o que fazer com a própria vida depois que a morte passou tão perto? Como agir para escapar a um ciclo de violência e desgraça que teima em repetir-se? O caráter de jubilosa rebeldia das florestas, savanas, mares e desertos esmaga nossas pretensões de controle sobre o quer que seja. As feras sobrevivem porque aprendem a adaptar-se, a atacar, a fugir, ensinando ao homem que a natureza pode ser perversa, mas é também terapêutica, oferecendo-lhe um espaço de cura e renascimento.

Quando entra-se em contato com essa dimensão da vida, talvez descubra-se ânimo para resistir. O lado mais selvagem do ser humano arde sob a fina camada de civilização. Por baixo das normas sociais, mora um instinto primal que resiste à submissão mais covarde, manifestando-se em picos de selvageria. Nos surtos de fúria ou na frieza calculada de uma ofensiva cruenta, emerge nossa outra essência, fascinada pelo caos. Reverbera no mais fundo do espírito de cada um o eco das matas e o uivo dos predadores a farejar o sangue quente da presa. Nas três séries que recomendamos, fica evidente a inclinação ao animalesco que tem nossa espécie, tentando dominar seus ímpetos. Até que a lei da selva impõe-se.

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.