Todo dia barulhento espera uma noite silenciosa

Todo dia barulhento espera uma noite silenciosa

Ah, minha mãe. Esse barulho todo me traz você aqui. Penso no seu silêncio no tumulto da nossa casa. Lembro do som da rua quieta enquanto esperava você no portão. Naquele tempo em que esperar por você era minha única angústia da vida. Aqui, no alvoroço desse negócio de viver tudo e dormir nada, de andar apertando os olhos para ouvir alguém entre tanto ruído, me falta você, minha mãe, chegando com a noite e a lua. Silenciosa em sua meia dúzia de palavras. Segura em suas interjeições.

Contradições acima de qualquer suspeita

Contradições acima de qualquer suspeita

Quem nunca afirmou detestar mulheres louras e, de repente, começa a desfilar com uma pantera platine blonde- tintura irretocável, nos volumosos cabelos? Te amo, te odeio. Não suporto peixes, adoro linguado assado. Não tolero homens falantes. Ah, me apaixonei por um deputado honestíssimo. Precisa ver como ele discursa. Pintar a boca de vermelho, jamais! Quero esse batom molhado cor de sangue, máxima duração. Lindo. Não imagino ter filhos e nem terei.

Réquiem para a tristeza que nos consome por dentro

Réquiem para a tristeza que nos consome por dentro

Busquemos nas livrarias o livro que sempre desejamos ler, ouçamos a música que embalou nosso mais caro amor, bebamos as bebidas da moda e aquelas que ninguém mais bebe, degustemos pratos exóticos em tardes preguiçosas. Comer, rezar, amar, mas também beber, receber, doar, cantar, ler, ouvir, sentir, tatear, pegar, agarrar. Façamos de nossas vidas um dicionário prático de todos os verbos listados em frios Aurélios e Houaiss.

Elogio da solidão que nos une e nos separa

Elogio da solidão que nos une e nos separa

Eu sou dessa gente que anda só. Não me pergunte por quê. Eu não sei responder e você vai achar que é indelicadeza minha, mas é nada senão a mais sincera incapacidade. Não consigo, não dá. Minha bicicleta não tem garupa, é veículo de um sozinho, descendo uma estradinha esburacada com um equilíbrio tão delicado que é preciso manter as duas mãos no guidão o tempo todo, sabe? Descobri que posso lhe dar uma delas agora e logo tenho de soltar. Não por nada.

O que foi dito bêbado foi pensado sóbrio

O que foi dito bêbado foi pensado sóbrio

Ah, quantos de nós temos coragem de traduzir em palavras as explosões de afeto, fúria ou ódio, claramente estampadas em nossos olhos. Quantos de nós se escondem atrás dos véus da conveniência, ardilosas maquiagens, máscaras de bem-se-relacionar no cotidiano, guardando tudo o que nos ameaça ou fragiliza no quarto escuro de emoções cansadas, amassadas e contraditórias. Francamente. Quase não há espaço para o amor e a ternura se acomodarem junto ao medo, a insegurança e a frieza, pois o quarto é diminuto — do tamanho de uma solitária prisional.