Desde o início do século 20, a Polônia tem sido um berço fértil para o cinema, oferecendo ao mundo obras que transcendem barreiras linguísticas e políticas. O resgate de “Cultura Prussiana” (1908), um marco censurado e dado como perdido até 2000, simboliza a tenacidade artística do país. Descoberto em um arquivo parisiense pelos acadêmicos Małgorzata e Marek Hendrykowski, o filme representa mais do que uma relíquia: é um testemunho da resistência cultural frente à opressão, algo que permeia o espírito do cinema polonês ao longo das décadas.
Nomes como Andrzej Wajda, Krzysztof Kieslowski e Roman Polanski moldaram essa cinematografia, cada um explorando, à sua maneira, os dilemas morais e existenciais do povo polonês. Polanski, em particular, canalizou suas próprias experiências traumáticas em obras de impacto universal, culminando em “O Pianista” (2002). Baseado na autobiografia de Wladyslaw Szpilman, o filme não apenas revisita o horror do Holocausto, mas também serve como uma espécie de catarse para o cineasta, que sobreviveu à perseguição nazista quando criança.
Polanski constrói sua narrativa com uma carga emocional inegável, entrelaçando sua trajetória pessoal com a de Szpilman. As primeiras cenas, em que o pianista desafia a invasão alemã ao tocar Chopin em uma rádio de Varsóvia, são carregadas de simbolismo: a música, uma manifestação de liberdade e resistência, ecoa como um grito de desespero em meio à destruição iminente. O compositor, também polaco exilado na França, jamais poderia prever que sua obra inspiraria um país destroçado pela tirania.
Adrien Brody entrega uma interpretação visceral de Szpilman, capturando a essência de um homem que, apesar das adversidades, se recusa a abdicar de sua dignidade. Brody transforma a altivez do personagem em uma arma contra o desespero, uma força que transcende o medo e revela o núcleo humano por trás do sobrevivente. Sua interação com Wilm Hosenfeld, interpretado por Thomas Kretschmann, é de uma tensão quase insuportável, ressaltando a complexidade moral de ambos os lados do conflito.
Polanski, ao recriar a Varsóvia ocupada, revisita suas próprias memórias de infância, mesclando a realidade com a ficção em um exercício cinematográfico profundamente pessoal. A cidade destruída, cansada de guerra, é o palco onde o diretor confronta seus fantasmas e exorciza suas dores. Ao longo do filme, a linha entre o passado e o presente se dilui, oferecendo ao espectador uma experiência que transcende o simples relato histórico.
“O Pianista” se revela mais do que um drama de época: é uma obra sobre resistência, memória e, sobretudo, a sobrevivência do espírito humano diante do inimaginável. É impossível não se deixar impactar pelo lirismo mórbido que permeia cada cena, um reflexo da jornada de Polanski e de todos que, como Szpilman, ousaram enfrentar a escuridão com coragem e música.
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