Cinema e música: Pink Floyd — The Wall, de Alan Parker Divulgação / Metro-Goldwyn-Mayer

Cinema e música: Pink Floyd — The Wall, de Alan Parker

Em 1979, o grupo de rock britânico Pink Floyd lançou um dos mais ambiciosos projetos de sua carreira: o álbum duplo conceitual “The Wall”. Quase uma ópera rock, conta a história do roqueiro fictício Pink. Totalmente pensado pelo baixista e letrista Roger Waters, o álbum é um dos mais conhecidos da banda e rendeu o estrondoso sucesso “Another Brick in the Wall — Part II”, que tocou até em comercial televisivo de xampu.

Alan Parker (1944-2020), cineasta inglês, conhecido por realizações como “O Expresso da Meia-Noite”, “Coração Satânico” e “Mississippi em Chamas” e que tem um histórico de filmes ligados à música: “Fama”, “Evita” e “Commitments — Loucos pela Fama”, adaptou o álbum do Pink Floyd para o cinema em 1982 com o nome de “Pink Floyd — The Wall”.

O que Alan Parker e Roger Waters, autor do roteiro, fizeram foi criar imagens a partir do que as letras descrevem no álbum. Assistir ao filme é como ouvir o álbum com imagens associadas.

A história é um relato da vida da estrela do rock Pink, carregado de traços autobiográficos de Waters e de Syd Barrett, o primeiro líder do Pink Floyd que foi afastado por problemas mentais. Os traumas e decepções que Pink acumula desde a sua infância o levam a construir um muro metafórico ao seu redor para se isolar do mundo.

Assim cada episódio ruim da vida de Pink é como se fosse mais um tijolo assentado em seu muro: a mãe superprotetora que o cria sozinha, pois seu pai morreu na Segunda Guerra Mundial, um professor sádico que o humilha por escrever poemas durante as aulas, a infelicidade de seu casamento, a depressão, as drogas e o assédio de fãs e groupies. Ao final da primeira parte do filme, que corresponde ao primeiro disco do álbum, o muro está completo e Pink está sozinho num quarto de hotel, remoendo suas lembranças e assistindo TV. A degradação mental do protagonista é representada por outra metáfora, os vermes que corroem o seu cérebro.

O isolado Pink passa a sofrer de alucinações como a procura por seu pai nos campos de batalha da guerra mundial e depois numa estação ferroviária com a chegada dos soldados britânicos ao fim da guerra. Em seu lastimável estado mental ele não escuta seu empresário que esmurra a porta do seu quarto. Afinal ele tem compromissos a cumprir e tem um show a fazer. Alguma substância é injetada em seu braço a mando do empresário para que ele desperte.

Ao invés de despertar com a droga as alucinações de Pink se agravam e ele se vê como um ditador fascista em um showmício em que manda “jogar de encontro ao muro” os negros, os gays e os judeus. E depois em uma passeata, ao estilo nazista, pelas ruas de Londres. Pink finalmente acorda da alucinação e diz “Pare! Eu quero voltar para casa, tirar este uniforme e deixar o show”. Porém ele ainda tem que enfrentar “um julgamento”, cuja sentença é “destruir o muro e expor Pink ao mundo”.

O final é aberto a interpretações e não nos deixa muitas pistas, apesar disso o filme nos ajuda a entender um pouco mais toda a profundidade e complexidade que Roger Waters colocou na obra musical do Pink Floyd. Ele disse que a ideia do muro surgira anos antes quando, ao fazer shows em espaços cada vez maiores, ele sentiu um distanciamento seu em relação ao público que estaria ali não pela música do Pink Floyd, mas pelo evento e pela excitação do momento.

A meu ver, passados quase cinquenta anos dessa constatação de Waters, a coisa está da mesma forma ou até pior. Eu pude comprovar num dos seus shows da Turnê “Us + Them” no Brasil em 2018. Ao alertar sobre o crescimento do neofascismo no mundo e incluir um então candidato à presidência do nosso país na lista de neofascistas perigosos, Waters foi vaiado por uma parcela significativa da plateia, ao mesmo tempo em que era aplaudido pelo restante. Fiquei a pensar, essas pessoas que vaiaram não são fãs verdadeiros do Pink Floyd, pois não sabem que o grupo sempre defendeu as questões sociais e sempre se posicionou como antifascista. Ou seja, essa gente estava ali pelo evento e para postar selfies nas redes sociais. 

Com Bob Geldof no papel principal, conta ainda com Christine Hargreaves, a mãe, Eleanor David, a mulher de Pink, Alex McAvoy, o professor e Bob Hoskins,  o empresário.

“Pink Floyd — The Wall” infelizmente não está disponível em nenhum serviço de streaming.

Desespero e Depressão

Numa urgência nunca vista antes, são 26 faixas, o Pink Floyd (ou leia-se Waters) fala sobre perdas, guerra, mãe castradora, professores tiranos, fama, traição, drogas, distanciamento entre artista e público, numa atmosfera pesada, e por vezes, deprimente.

Cada um dos traumas e frustrações experimentados pelo personagem Pink representa “mais um tijolo no muro” que ele constrói para se isolar do mundo.

As longas e elaboradas texturas musicais de outras épocas são deixadas meio de lado e o grupo usa hard rock, pop, funk e chega ao limiar do punk. Aliás o Pink Floyd havia sido eleito um dos inimigos principais das bandas de punk que haviam tomado de assalto o rock naquele final de década de 1970 na Inglaterra.

Ao mesmo tempo em que “The Wall” conquistou toda uma nova legião de admiradores para o Pink Floyd, deixou também um sabor amargo nas bocas dos fãs de primeira hora, como eu, que sabiam que depois dele, e definitivamente, o Pink Floyd não seria mais o mesmo.