Tesouro inestimável do cinema argentino que acaba de chegar à Netflix e vai tocar cada canto da sua alma Alan Roskyn / Netflix

Tesouro inestimável do cinema argentino que acaba de chegar à Netflix e vai tocar cada canto da sua alma

Sebastián Borensztein mergulha nas vicissitudes da história argentina, culminando na tragédia pessoal subjacente a “Descanse em Paz”, uma narrativa sobre amor, vergonha, ganância e remorso, na qual um homem se perde e, ao fazê-lo, arrasta consigo aqueles que afirma amar. Baseado no romance publicado em 2018 por Martín Baintrub, o enredo de Borensztein, Baintrub e Marcos Osorio Vidal destaca a agonia de um homem comum, cujas escolhas tortuosas se tornam um legado doloroso para seus entes queridos.

Aceitar o outro como ele é, e não como imaginamos que ele deveria ser, implica a esperança íntima de que ele se arrependa e mude. Este é um exercício árduo, mas gratificante. Compreender o próximo, oferecer uma palavra de incentivo, um sorriso genuíno, demanda um esforço monumental, uma jornada ao âmago da alma, tanto a nossa quanto a dos outros. A vida humana é complexa, repleta de questões e problemas que só podemos resolver quando mergulhamos nas profundezas de nosso próprio ser para então entendermos uns aos outros. O homem perpetuamente busca um salvador, essa é sua tragédia e sua redenção.

Sergio Duyán atravessa uma fase perigosa. Borensztein confere ao seu anti-herói uma aura de fragilidade, personificada por Joaquín Furriel até a derradeira cena. Sergio parece recusar-se a crescer, aprisionado por mecanismos de defesa que o sufocam. Apesar de afundado em dívidas, ele decide realizar a festa de Bat Mitzvá de sua filha, numa tentativa desesperada de mascarar sua ruína financeira. Estranhamente, nem sua esposa, Estela, interpretada brilhantemente por Griselda Siciliani, desconfia de algo errado, enquanto o filme se desenrola em torno da farsa na qual Sergio desaparece no Paraguai e testemunha em silêncio a usurpação de sua antiga vida por um sujeito abominável. Mas será que ele merece isso?

A história de Sergio revela as fragilidades da condição humana, as camadas complexas de autoengano e o peso das consequências de nossas escolhas. Sua jornada é um espelho das lutas internas e externas que todos enfrentamos em algum momento de nossas vidas. Borensztein habilmente retrata a desconstrução gradual de um homem à beira do abismo, explorando temas universais de perda, culpa e redenção.

O contexto político e histórico da Argentina serve como pano de fundo sombrio para essa narrativa íntima. O atentado à AMIA é um lembrete cruel das cicatrizes que a violência e a corrupção deixam em uma sociedade. É um símbolo das batalhas incessantes pela justiça e pela verdade, mesmo diante da desilusão e do desespero.

Enquanto Sergio luta para encontrar seu caminho, os espectadores são levados a uma reflexão sobre suas próprias vidas e escolhas. Somos confrontados com a fragilidade da existência e a impermanência de nossas conquistas. No fim das contas, “Descanse em Paz”, na Netflix, não é apenas a história de um homem em crise, mas um espelho que nos obriga a encarar nossos próprios demônios e a buscar redenção onde menos esperamos encontrar.

A atuação magistral de Joaquín Furriel dá vida à complexidade emocional de Sergio, transmitindo sua angústia e desespero com uma intensidade palpável. Cada expressão, cada gesto, nos leva mais fundo na psique perturbada do personagem, nos forçando a confrontar nossa própria humanidade e vulnerabilidade.

O filme é um lembrete contundente de que, mesmo nos momentos mais sombrios, há sempre uma centelha de esperança. É um chamado para a empatia, para a compaixão, para a compreensão mútua. Pois, no final das contas, é apenas através do amor e do perdão que podemos verdadeiramente encontrar a paz e a redenção que tanto buscamos.


Filme: Descanse em Paz
Direção: Sebastián Borensztein
Ano: 2024
Gênero: Drama/Mistério
Nota: 9/10