O filme na Netflix que vai restaurar sua fé e fazer você acreditar no impossível Divulgação / Concorde Filmverleih

O filme na Netflix que vai restaurar sua fé e fazer você acreditar no impossível

O espanhol Juan Antonio Bayona faz de “O Impossível” um dos registros mais irretocáveis que o cinema já elaborou sobre uma hecatombe natural, tema que volta à baila de tempos em tempos, e com grande aceitação de público e crítica, e que se comprova pelo desempenho invulgar do despretensioso — e ótimo — “Não Olhe Para Cima” (2021), dirigido por Adam McKay. A natureza nunca deixa de revelar sua face bestial, tanto mais quando é provocada pelas agressões que o homem perpetra-lhe antes, covarde e tolamente. Vira e mexe, terra, fogo, ar e água voltam-se contra a humanidade, não na intenção deliberada de se vingar, mas para elucidar que, ao querer medir forças com eles, o homem há de perder sempre, e cada vez mais.

“Tsunami” é um vocábulo absorvido recentemente ao léxico deste insano século 21. As “ondas que vêm do porto”, em tradução literal do japonês, e nunca regressam ao oceano, varrendo coqueiros como se fossem pés de milho e deixando um plangente rastro de morte, começaram a ocupar o noticiário pouco depois da 0h58 do dia 26 de dezembro de 2004, momento em que um abalo sísmico muito abaixo da superfície da água devastou todo o continente asiático, em especial a ilha de Sumatra, na Indonésia, onde se deu o epicentro do fenômeno.

Preferindo centrar a história na ilha de Khao Lak, na Tailândia, Bayona conta a história de um Natal diferente, marcado por infortúnio, destruição, pesar, mas também por um sentimento inabalável de esperança, como se, no fundo, todos ali soubessem que o final seria feliz. Passados dezenove anos, o tsunami que devastou a costa oeste do país continua a ser um dos piores desastres da História. Bayona esperou que toda a água baixasse e só botou a mão na massa muito tempo depois. “O Impossível” estreou em 21 de dezembro de 2012, faltando cinco dias para o oitavo aniversário da tragédia, o que proporcionou ao diretor apreender o evento com a maior frieza possível, ainda que o roteiro de Sergio G. Sánchez ilumine sob a dimensão mais justa as passagens que compõem a ofensiva do mar, no princípio da trama.

Já no primeiro ato, os paredões d’água sobem e descem, engolindo tudo o que encontram pela frente. Minutos antes, o casal Maria e Henry Bennett, britânicos em férias nesse paraíso prestes a decair, brincavam com os três filhos. Naomi Watts, indicada ao Oscar de Melhor Atriz pelo papel — ela está muito bem, de fato, mas não é para tanto —, e Ewan McGregor desenvolvem uma química insuperável, juntos e dividindo a cena com Tom Holland, Oaklee Pendergast e Samuel Joslin como Lucas, Simon e Thomas. No instante em que são colhidos pela fúria do oceano Índico e a desdita se apresenta, cada um é jogado para um lado da ilha; quando se dão conta de que podem se passar anos até que se vejam outra vez — se é que haverá uma outra vez —, fecha-se esse primeiro segmento de “O Impossível” e inicia-se a segunda parte, de um terno humanismo, que evoca a importância de se lutar pela vida, a despeito do quão desalentador seja o cenário em que se possa estar.

Lucas é quem melhor encarna esse ideal. Muito antes da franquia “Homem-Aranha” e do excelente “O Diabo de Cada Dia” (2020), de Antonio Campos, Tom Holland já mostrava que iria longe. Cabe ao então menino o papel de herói do filme, buscando seus parentes um por um, sem nunca se dar por derrotado. Primeiro reencontra a mãe, que se perde dele outra vez e, numa reviravolta bastante original do roteiro, torna a se juntar a Lucas, mas gravemente debilitada. Ao passo que Maria aguarda por uma operação, o personagem de Holland preenche o tempo ocioso tentando encontrar outros desaparecidos nos corredores e leitos do hospital. A performance de Holland, sim, é digna de Oscar, e não só nesses lances. É ele quem apresenta desempenho mais proporcional, sendo capaz de equilibrar-se entre cenas plácidas e aquelas em que sua performance precisa galgar alguns níveis — surpreendentemente, o ator ainda não recebeu nenhuma indicação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, mas seu dia há de chegar. A esse propósito, louve-se uma passagem, já quase na metade da história, em que o pequeno Oaklee Pendergast e a veterana Geraldine Chaplin desenvolvem uma conversa comoventemente lírica com as estrelas por testemunha ao passo que consolam-se um ao outro, óbvia alusão ao centenário “O Garoto” (1921), uma homenagem a Charlie Chaplin (1889-1977), pai de Geraldine.

À medida que Lucas se conserva sereno, Henry despende toda a sua energia numa busca insana pelos filhos e a mulher, elaboração que exigiu muito preparo físico de McGregor, também longe de ser a estrela mais brilhante desse firmamento. É assombroso como o tempo só faz bem a certas pessoas. Tanto ele como Watts estão muito melhor hoje — esteticamente, inclusive —, conforme se vê em “Halston” (2021), série criada por Ryan Murphy e dirigida por Daniel Minahan (e louve-se seu profissionalismo corajoso), e “Penguin Bloom” (2020), de Glendyn Ivin, filme de argumento semelhante ao de Bayona em que ela consegue se sair muito melhor.

Na terceira e última parte do longa, quando Henry, Maria, Lucas, Simon e Thomas voltam juntos para casa, batendo a imensidão do mar que os quisera submeter à solidão e à morte, a fotografia do espanhol Óscar Faura, premiado em diversas ocasiões, coroa o trabalho de Bayona e Sanchez, dois dos melhores profissionais do cinema recente. Filmes com a qualidade de “O Impossível”, na Netflix, só são possíveis mediante a confluência de talentos assim.


Filme: O Impossível
Direção: Juan Antonio Bayona
Ano: 2012
Gênero: Drama
Nota: 9/10