O filme fascinante na Netflix que é uma jornada inspiradora de superação e autoconhecimento Divulgação / Red Bull Media House

O filme fascinante na Netflix que é uma jornada inspiradora de superação e autoconhecimento

É inevitável: a primeira coisa que ocorre ao espectador leigo quando assiste a histórias feito a que Peter Mortimer e Nick Rosen contam em “O Alpinista”, na Netflix, é apontar a insanidade, a egolatria, a onipresente solidão que decerto infundem na vida de gente como Marc-André Leclerc, um montanhista de então 23 anos quase anônimo que despertou o fascínio dos diretores, que chegaram até ele depois de o encontrarem num vídeo caseiro na internet.

Donos de uma produtora especializada em documentários sobre alpinismo, Mortimer e Rosen foram atrás de Leclerc, talvez sem esperar que o atleta oferecesse tanta resistência, mas, ao cabo de algumas semanas, conseguiram sua autorização para registrar as imagens sempre angustiantes que recheiam pouco mais de hora e meia de filme, começando por dar ao público a dimensão das façanhas de seu protagonista, célebre por vencer paredões de rocha de centenas de metros sem nenhum equipamento de segurança, apenas com um machado de gelo e uma picareta. É o bastante para que regale os poucos felizardos que porventura acham-no com seu casaco laranja em meio àquele reino de neve com um espetáculo bestial, mas sublime, que acaba como principia: sem grandes aclamações e sem nenhum glamour.

São pouquíssimos no mundo, mesmo entre os escaladores, os que se divertem tanto subindo uma montanha como Leclerc, talvez por ser ainda muito jovem. Fica cada vez mais evidente na maneira escolhida por Mortimer e Rosen para apresentar o personagem central de seu trabalho que Leclerc parece não ter uma noção muito sólida quanto a planejamento, cálculos, treinos e eventuais soluções alternativas — ou seja, deixa-se tomar pela tal febre do cume, de que falou Julian Gilbey em “Summit Fever” (2022), e anseia por chegar ao topo de qualquer maneira e no menor tempo, só aproveitando a paisagem enquanto despende toda a energia que consegue.

Os diretores fazem com que tudo soe como uma grande brincadeira, como se Leclerc apenas fosse colocando um pé à frente do outro e balançasse suas ferramentas aqui e ali e, pronto, marcaria mais uma cruz na coronha, dançando sozinho até o céu. Essa impressão torna-se mais vigorosa com o depoimento de Alex Honnold, quiçá o mais famoso (e ousado) alpinista free solo do mundo, vencedor do Piolet d’Or, premiação máxima do montanhismo, em 2015, por ter subido em cinco dias uma cadeia de rochedos na Patagônia, dessa vez com Tommy Caldwell.

Numa entrevista para a televisão, Honnold, perfilado por Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin em “Free Solo” (2018), ganhador do Oscar de Melhor Documentário de Longa-Metragem em 2019, dizia estar impressionado com um rapaz do Canadá que fazia o mesmo que ele, mas com mais convicção e mais gosto pelo perigo. Mortimer e Rosen pegam esse gancho para deslindar algumas coincidências nas jornadas de um e outro, guardando uma revelação estarrecedora para o final. 

Quando Leclerc também resolve ir para a parte mais meridional da América do Sul, os diretores vão atrás, intensificando o uso de drones e câmera na mão, nessa ordem, sempre atentando para manter certa distância do alpinista e assim conservar a essência de seu ofício e o caráter jornalístico do longa. Entre um dia e outro, percebem que ele não volta. Passam a circular as teorias conspiratórias e especulações mais tresloucadas, tão comuns nessas ocasiões, e, claro, que dilemas éticos pululam na cabeça de quem assiste, malgrado se tente disfarçar o incômodo com os depoimentos de Michelle Kuipers e Brette Harrington, a mãe e a namorada de Leclerc, admiravelmente ponderadas.

A essa altura, já se imagina o que pode ter se passado com aquele jovem, uma criança diagnosticada com TDAH, limitação cognitiva que o obrigou a abandonar a escola por não ficar quieto nunca. Talvez Leclerc fosse também viciado em adrenalina, a exemplo de muitos outros esportistas de alta performance, como Ueli Steck (1976-2017), A Máquina Suíça, que em algum momento acabam por menosprezar detalhes fatais. Talvez seja a hora de um documentário sobre isso.


Filme: O Alpinista
Direção: Peter Mortimer e Nick Rosen
Ano: 2021
Gêneros: Documentário/Esporte/Biografia
Nota: 8/10