O melhor filme do Prime Video: baseado em best-seller global que vendeu mais de 16 milhões de exemplares Divulgação / Columbia Pictures

O melhor filme do Prime Video: baseado em best-seller global que vendeu mais de 16 milhões de exemplares

Já houve um tempo em que ser mulher era uma batalha de todo santo dia. Ter o respeito da própria família, dos amigos, da comunidade, do Estado passava por fazer tudo quanto os homens mandavam, primeiro o pai e os irmãos, depois os professores e quando se concluíam os anos de estudo destinados a seu gênero, casar-se com o marido que escolheram para ela, o homem a quem teria de obedecer para o resto da vida, seu senhor e seu dono, a quem deveria prestar contas até de seus sonhos mais obscuros.

Uma garota selvagem da Carolina do Norte suporta os desmandos de uma existência de privações no que pode haver de mais básico até que começa a virar a mesa, pagando um preço alto por sua liberdade. “Um Lugar Bem Longe Daqui”, a adaptação de Olivia Newman para “Where the Crawdads Sing”, o romance da americana Delia Owens, publicado em 2018 e traduzido com o mesmo título que o filme, é o grito de socorro de um espírito atormentado, mas não só.

O roteiro de Owens e Lucy Alibar oscila entre três fases da história de Catherine Danielle Clark, a Kya, nos pântanos da fictícia Barkley Cove, escapando de um pai bêbado e abusivo para cair nas mãos de um pretendente que a ilude com juras de amor que não pode cumprir até que sobrevenha-lhe a desgraça que por pouco não a arruína. Alibar também roteirizou, com Benh Zeitlin, “Indomável Sonhadora” (2012), dirigido por Zeitlin e baseado no livro de contos de Doris Betts (1932-2012), e, por mais original que consiga ser, o trabalho de Newman reflete essas outras histórias de mulheres aprisionadas em sua condição feminina, o que fortalece seu propósito. 

Em cada cena, paira a tristeza que salgueiros chorões, cigarras e um eterno pôr do sol deixam ainda mais doída. Já nos primeiros dos 125 minutos, a diretora começa a desdobrar o argumento central, muito próximo ao de “Conta Comigo” (1986), de Rob Reiner. Dois meninos avistam um cadáver caído no pântano, e na sequência, se descobre tratar-se de Chase Andrews, atacante do time de futebol americano local metido a conquistador.

O xerife Jackson, interpretado por Bill Kelly, e seu adjunto, Perdue, de Jayson Warner Smith, escutam na taverna que Chase tivera um caso recente com Kya, A Menina do Brejo, e tem início uma minuciosa averiguação, cuja primeira medida é bater na porta da moça, a moradora solitária da área mais agreste da Barkley Cove, cercada apenas pela vegetação densa e pelo rio North Toe, silencioso e enigmático como ela.

A diretora é competente ao desvendar o passado de sua protagonista, num caudaloso flashback em que Garret Dillahunt dá vida ao pai violento, de quem toda a família consegue fugir, à exceção de Kya. Incorporada por Jojo Regina com a contagiante vivacidade inicial que logo cede espaço ao pânico, Kya também acaba por sair à procura de outro lar, até que a narrativa se estabelece, afinal, no fim da década de 1960, com a personagem central adulta, traumatizada pelas lembranças infelizes, decerto, mas viva.

No meio do segundo ato, “Um Lugar Bem Longe Daqui” vira a chave para o enredo clássico de filme de tribunal, com Daisy Edgar-Jones correspondendo ao bom desempenho de Regina — e certamente ajudada também por David Strathairn, na pele de Tom Milton, o advogado criminalista que interrompe a aposentadoria para defendê-la.

Chase Andrews, com Harris Dickinson perfeito como um anjo infernal, aparece na dose certa, conferindo falsas expectativas quanto à verdadeira autoria do assassinato (que também pode ter sido um autocídio), mas Newman fecha bem esse arco, com um desfecho agridoce para Kya, que termina materializada idosa e casada com Tate Walker, seu grande e sereno amor, vivido por Taylor John Smith.


Filme: Um Lugar Bem Longe Daqui
Direção: Olivia Newman
Ano: 2022
Gêneros: Mistério/Thriller
Nota: 9/10