Contar histórias que tentam despertar uma sensação de otimismo, especialmente quando mergulham em temas sérios, é uma tarefa desafiadora. “O Lado Bom da Vida” consegue escapar do perigo de parecer ingênuo ao confiar em personagens cativantes, interpretados por atores que estão se consolidando como verdadeiras estrelas em Hollywood. O filme se destaca como uma peça única no gênero romântico, distanciando-se de muitas outras obras que falham em transmitir uma mensagem significativa sob o manto de um romance.
David O. Russell, em um de seus projetos mais memoráveis, escolhe dois dos mais atraentes atores do cinema atual para interpretar personagens profundamente complexos, enfrentando questões psiquiátricas que poderiam facilmente provocar desconforto. A trama se desenrola de maneira a despir esses personagens de suas camadas mais sombrias, permitindo que a essência do que desejam comunicar brilhe.
Lançado no Brasil no início de 2013, o filme apresenta Bradley Cooper em uma luz completamente diferente daquela a que o público estava acostumado, marcando talvez o ápice de sua carreira até então. Seu personagem, Patrizio Solitano Jr., ou simplesmente Pat, assume um papel quase pioneiro.
A história explora as consequências de um surto mental em um homem que, ao descobrir a infidelidade de sua esposa, reage de forma violenta. Russell aborda com cuidado os riscos associados à representação desse tema delicado. O protagonista acaba internado em uma instituição psiquiátrica por oito meses, perde seu emprego e, apesar de tudo, continua apaixonado por sua esposa, Nikki. A complexidade de sua situação é agravada pela ordem de restrição que o impede de se aproximar dela, forçando-o a viver com seus pais.
A entrada de Jennifer Lawrence na história traz um novo dinamismo. Sua personagem, Tiffany, também marcada por uma perda trágica e consequentes decisões questionáveis, encontra em Pat um espelho de sua própria dor e confusão. O encontro entre essas duas almas torturadas em um jantar revela uma atração mútua, nascida de suas experiências compartilhadas de sofrimento e isolamento.
A evolução de Pat e Tiffany, de figuras marginalizadas a protagonistas de sua própria história de redenção, serve como fio condutor do filme. Desafiando as estruturas estabelecidas de sua sociedade, ambos os personagens são densamente construídos, impedindo qualquer julgamento precipitado por parte do público. A abordagem de Russell em retratar a reação de Pat à traição de sua esposa e a resposta de Tiffany ao seu luto por meio de escolhas autodestrutivas adiciona camadas de complexidade aos personagens.
À medida que Pat e Tiffany se aproximam, eles descobrem afinidades e tensões em suas interações, revelando gradualmente suas verdadeiras personalidades. Pat, apesar de sua situação, permanece fiel ao amor por sua esposa, enquanto Tiffany, percebendo uma oportunidade, propõe um acordo que os une ainda mais: participar juntos de um concurso de dança, na esperança de que isso possa ajudar Pat a se reconectar com Nikki.
A química entre Cooper e Lawrence, longe de ser apenas fofoca de tabloides, prova ser o coração do filme, levando a momentos memoráveis, tanto nos ensaios quanto na inusitada apresentação final. Cooper, em particular, brilha ao adotar uma atuação mais contida, permitindo que o momento certo para Tiffany brilhar surja naturalmente. Sua habilidade em retratar a vulnerabilidade de Pat, sem cair no exagero, é notável e contribui significativamente para a profundidade do personagem.
“O Lado Bom da Vida”, na Netflix, vai além da simples narrativa de superação individual, apresentando uma visão mais ampla sobre a reconstrução da vida e dos relacionamentos. Cada elemento do filme trabalha em harmonia, criando uma experiência coesa que enfatiza a possibilidade de recomeço, mesmo nas circunstâncias mais improváveis.
O filme não se limita a ser um duelo de performances entre dois talentosos atores, mas sim um esforço conjunto que resulta em uma narrativa redonda e bem-acabada. Ela ressoa com a ideia de que, apesar dos obstáculos, há sempre espaço para a reordenação dos afetos e para a esperança, uma mensagem que o filme transmite com sucesso ao seu público.
Filme: O Lado Bom da Vida
Direção: David O. Russell
Ano: 2012
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 10/10