O filme mais surpreendente da Netflix Divulgação / Happinessroad Productions

O filme mais surpreendente da Netflix

Filmes que expõem as relações pouco hígidas entre imprensa, autoridades policiais e políticos não são novidade alguma — e, pelo visto, assim será enquanto essas três instâncias da vida social existirem. A multimilenar cultura oriental, sábia em sua leitura das urgências e dos descaminhos do homem, até pode atenuar os elementos de corrupção mais grosseira, mas, como se assiste em “Perfeição Perdida”, os apetites humanos são rigorosamente iguais quando se trata de encobrir faltas graves, originadas quase sempre pela vontade de se ter não menos que tudo.

Depois do badalado “Na Estrada da Felicidade” (2017), história de uma mulher atormentada que passa a dar valor às tais coisas simples da vida, animação com que estreou na direção de longas, a taiwanesa Sung Hsin-yin vira a chave com força, e apresenta um suspense em que pouco do que se vislumbra é o de fato imaginamos. O texto minucioso da diretora aponta cenários diversos para um único evento irrefutável, uma morte cercada em mistério que vira uma obsessão perigosa para uma das partes envolvidas no crime. Mas ela não se intimida nunca.

A inadequação fundamental do gênero humano para com o meio que o cerca; a felicidade incompatível às nossas angústias também por ser feliz; a vida ela mesma, plena de suas circunstâncias inexplicáveis e dos tantos perigos à espreita mesmo nos trechos mais retos e iluminados dos caminho; o delírio pairando sobre a realidade sisuda, pronto para tartamudear a litania lírica e lúgubre da loucura; os esforços inúteis do homem comum em sua saga triste por livrar-se do amanhã invencível; a fronteira que não se revela, mas aparta o caos do inferno.

A antagonista interpretada por Lin Mei-hsiu veio do campo para Taipei com a cara e a coragem, e assim mesmo conseguiu tornar-se uma das massagistas mais requisitadas da capital — ainda que sua fortuna advenha de outras fontes. Sung vai removendo as camadas de glacê narrativo da personagem até esclarecer que Mei-hsiu é na verdade uma golpista habilíssima, capaz de arrancar até o último níquel de seus clientes, velhos solitários que procuram-na para fins outros que não os terapêuticos.

Um deles, o pai de Li Mei, aparece morto em circunstâncias no mínimo suspeitas, o que aapenas corrobora uma intuição que ela, âncora de um telejornal bastante popular, tivera há tempos. A diretora confere refinamento às cenas em que Lin é confrontada por Shao Yu-wei, e paulatinamente o espectador toma pé do quão complexa é a relação das duas, que invertem os papéis numa certa altura da trama. Os homens entram como pouco mais que coadjuvantes de luxo, a mercê das vontades e dos desmandos da jornalista; de toda maneira, Figaro Tseng e Rhydian Vaughan têm a chance de mostrar um desempenho acima da média, em cenas de sexo filmadas com a maior elegância que eu já vi.


Filme: Perfeição Perdida
Direção: Sung Hsin-yin
Ano: 2023
Gêneros: Suspense/Thriller
Nota: 8/10