O filme na Netflix fará você acreditar em milagres e aquecerá seu coração Katherine Bomboy / Bleecker Street

O filme na Netflix fará você acreditar em milagres e aquecerá seu coração

O sonho — e a necessidade — de se reinventar, de tomar a própria vida nas mãos e transformá-la é tudo quanto se precisa nas quadras da existência em que só o que se queria era se ter a chance de exercer o sagrado direito de conquistar o pão que alimenta o corpo e a paz que sossega a alma sem interferências de qualquer natureza, como se viver fosse algo simples e tão pleno de vigor como um jogo.

Em “Brian Banks: Um Sonho Interrompido”, o diretor Tom Shadyac menciona a história de um astro do futebol americano caído em desgraça, mas que não se conforma com a ruína e vai à luta, até torcer o placar a seu favor. Não é exatamente fácil, mas é só o que se tem a fazer nesses momentos em que tudo o que julgávamos nosso parece cada vez mais longe, e por razões que, de tão absurdas, fogem à compreensão de qualquer um que preze a verdadeira justiça — até porque a própria justiça mostra-se uma algaravia de enganos e contradições, mistura sempre muito perigosa quando se refere a indivíduos que não despertam o interesse da maioria.

Doug Atchison baseia seu roteiro na vida de Brian Banks, o ex-jogador da NFL, a liga de futebol americano profissional dos Estados Unidos, falsamente acusado de estupro quando começava a ver seu talento reconhecido no esporte. Mal-assessorado, Banks acabou enfrentando um julgamento que o reduziu a pó, amargou seis anos na cadeia, e desde então teve de se acostumar a ver seu nome associado a escândalos de cunho sexual sempre que algum outro episódio do gênero pipocava na imprensa.

Claro que em dias de empoderamento feminino a menor referência a um homem minimamente suspeito de um crime tão hediondo já é o bastante para sugestionar plateias as mais heterogêneas, mas aqui há que se ter calma. Shadyac usa o argumento de Atchison de modo a deixar inequívoco que, por mais que o atleta somasse todos os indícios quanto a se cristalizar em torno de sua figura uma culpa natural, dessa vez tudo cheirava a uma armação grosseira, cujo verdadeiro motivo apontava para uma situação ainda mais ultrajante — e não para ele.

Zagueiro em ascensão na prestigiosa Polytechnic High School em Long Beach, Califórnia, Banks, vividamente interpretado por Aldis Hodge, vê seu mundo cair ao dispensar uma garota que o seduzira. Ele e a moça — cujo nome fora mantido em sigilo e na história é chamada de Kennisha Rice, papel de Xosha Roquemore — se dirigiram para os fundos do corredor de uma das alas mais remotas da universidade, mas ao longo do caminho todos os espaços estavam cheios, e muitos com as portas às escâncaras, ou seja, teria sido impossível um ataque como o alegado pela suposta vítima.

A grande ironia que o diretor faz questão de frisar é que o personagem-título, um homem bem-apessoado e com fama de conquistador, lança-se para o maior inferno de sua vida justo por ousar romper com os estereótipos que decerto o anatematizavam à boca miúda. Tivesse ido em frente, a garota teria se satisfeito, possivelmente o esqueceria em pouco mais de uma semana e a vida seguiria seu curso.

A partir do segundo ato, Banks conta com a orientação de Justin Brooks, o advogado vivido por Greg Kinnear, e desperta o interesse da personal trainer Karina Cooper, que o ajuda a recuperar a forma. Melanie Liburd é uma grata surpresa ao mostrar o encanto da personagem por um homem a quem teria de abominar, devido a um trauma íntimo do passado, mas que inspira-lhe genuína paixão e solidariedade acertada e sem medo.


Filme: Brian Banks: Um Sonho Interrompido
Direção: Tom Shadyac
Ano: 2019
Gêneros: Drama/Biografia
Nota: 8/10