Produzido por Quentin Tarantino, maior terror das últimas duas décadas está na Netflix

Produzido por Quentin Tarantino, maior terror das últimas duas décadas está na Netflix

“O Albergue” não poderia ter DNA mais insigne. Produzido por Quentin Tarantino, o filme, que conta com a direção cuidadosa de Eli Roth, remete ao melhor do terror, de George Romero (1940-2017) a John Carpenter, passando por Wes Craven (1939-2015) e Mario Bava (1914-1980). Concebido para ser apreciado à antiga, de preferência num cinema cheio de espectadores apavorados, “O Albergue” apresenta características que muito terror raiz não tem, a começar pela honestidade.

Roth conhece suas limitações como diretor, bem como também sabe o que funciona ou não numa história como a sua. Seus cortes são precisos, mas não secos, o que proporciona a quem assiste a chance de conjecturar sobre diferentes desdobramentos para a sequência em tela. É uma trama de horror que obedece à risca aos protocolos do gênero, principalmente no que respeita à fotografia — Milan Chadima acerta ao conservar o filme numa eterna penumbra, como se quem assiste fosse obrigado a atravessar aquela névoa densa de mistério se quiser mesmo participar do espetáculo. Ainda mais que a fotografia, a trilha sonora de Nathan Barr já impacta de pronto, transmitindo o clima noir de que a tela se cobre com frequência.

“O Albergue” não pretende reinventar a roda, e o que se vê é relativamente simples, mas bem-feito. Josh, interpretado por Derek Richardson, e Paxton, vivido por Jay Hernandez, viajam pela Europa com Oli, personagem de Eythor Gudjonsson, um islandês que conheceram no caminho. Numa parada em Amsterdã, famosa por sua permissividade, estão dispostos a farras regadas a muita cerveja, maconha e, claro, sexo, nos peepshows do Red Light District.

O roteiro desses peregrinos profanos é cumprido, e em conversas com alguns moradores do albergue onde estão hospedados, ficam sabendo que a luxúria da capital da Holanda é fichinha se comparada ao que acontece em Bratislava, na Eslováquia, onde basta ser estrangeiro, em particular dos Estados Unidos, para se dar muito bem com as nativas. Eles, por óbvio, não se importam com mais nada e só querem chegar o quanto antes a esse paraíso da concupiscência, onde pretendem continuar as férias mais buliçosas de suas vidas.

Eli Roth já vinha se destacando na franquia “Cabana do Inferno” (2002), em que um grupo de turistas saidinhos era vítima de um organismo que se alimentava de suas entranhas. O que “Cabana do Inferno” e “O Albergue” têm em comum — esse escracho, esse nonsense — tornou-se uma grife nos trabalhos do diretor. Dizem as más línguas que no filme de 2005 Roth tomou por base uma história sobre mafiosos tailandeses que anunciavam um serviço inusitado, prato cheio para maníacos de toda a sorte.

Por dez mil dólares, era possível se matar uma pessoa (os alvos eram sempre indivíduos paupérrimos, que se submetiam na esperança de que seus parentes embolsassem o dinheiro). Pura maledicência; Roth ambientou a narrativa na Europa Oriental à moda de TodBrowning (1880-1962), com vamps ávidas por sexo (e sangue) que saciam um e outro apetites parasitando americanos incautos.

A essa altura, “O Albergue” acaba se esvaziando um pouco, tão gratuitos são os ataques dessas mulheres cruéis que logo dão lugar a outros personagens, ingressos no jogo precisamente por sua superioridade financeira, enquanto se tenta compreender para onde o filme vai, num crescendo de membros decepados e hectolitros de sangue. Isso não teria a menor importância, não fosse a história derivar para a violência desabrida, sem um bom argumento que a sustente. Nesse ponto, o carisma limitado que os personagens de Richardson, Hernandez e Gudjonsson poderiam ter perde-se definitivamente.

O tipo de abordagem que Roth propõe — inovadora, justamente porque ousa abdicar de seus protagonistas — só se mantém porque história, felizmente, consegue orbitar num eixo de regularidade. Se o trio de personagens centrais masculinos é jogado às feras, Barbara Nedeljakova e Jana Kaderabkova adquirem uma proeminência inesperada e bem-vinda, que chacoalha um tanto a monotonia que se apossa do longa no segmento final. 

Criticando a visão de mundo do americano médio, branco e endinheirado, que se sente ainda mais poderoso em outras terras que em seu próprio país, Eli Roth dá a “O Albergue” um interessante componente de crítica social, atmosfera que o terror sempre absorveu muito bem. Só inspira pena não se poder contar com essa firmeza desde o início.


Filme: O Albergue
Direção: Eli Roth
Ano: 2005
Gênero: Terror
Nota: 7/10