Alegre e divertido, filme na Netflix é programa para toda família Frank Masi/Netflix

Alegre e divertido, filme na Netflix é programa para toda família

Trazer para o reino dos vivos os que já partiram desta para uma melhor — ou não — pode ser o melhor jeito de acrisolar falsos pudores, até que o feitiço começa a virar contra o feiticeiro, a bruxa cai da vassoura, morde o vampiro e salve-se quem puder. A morte não é questão de gosto, mas um fato. Admiti-la ou não; desejar que venha o mais tarde (ou o mais cedo) possível; superar temores comuns a qualquer indivíduo minimamente equilibrado, como deparar com o fim de quem julgávamos imortal; entender que cabe-nos apenas o usufruto da vida, que da morte o destino, seja lá o que isso signifique — Deus, diabo, sorte, azar — se encarrega, é uma verdadeira missão com que cada um arca respaldado, se muito, pela própria consciência. “A Maldição de Bridge Hollow” sequer tenta emular o que o terror produz de notável e, no entanto, o filme de Jeff Wadlow, perito no assunto, deixa muito concorrente no sereno. Naturalmente, o diretor bebe de fontes muito conhecidas, a exemplo da franquia “Todo Mundo em Pânico” e “O Massacre da Serra Elétrica” (1974), o clássico do slasher dirigido por Tobe Hooper (1943-2017), e dessa geleia sangrenta brota o fino sabor do absurdo.

Para uma adolescente de catorze anos, tétrico mesmo é ser obrigada a mudar de Nova York para a Nova Inglaterra no meio do semestre, sem qualquer garantia de que irá gostar da nova aventura. Depois de uma longa viagem de carro, sobrevivendo ao caraoquê em família proposto pelo pai, apropriadamente temperado com pérolas do rhythm and blues como “Hit the Road, Jack” (1961), de Ray Charles (1930-2004), Sydney Gordon, se anima ao ver a decoração de Halloween da cidadezinha de Bridge Hollow, a mais segura dos Estados Unidos. Sydney desce do carro e não sabe para onde dirigir o olhar, se para a rua, cheia de caveiras e morcegos de borracha, se para o quintal do vizinho, onde uma família zumbi recepciona os convidados. Priah Ferguson repisa muito do desempenho mesmerizante comprovado em “Stranger Things” (2016-2020), de Matt e Ross Duffer; aqui, cronologicamente mais madura e fazendo com que essa prudência reflita-se em seu trabalho, Ferguson personifica o estranhamento com o mundo ao passo que vai começando a sentir-se acolhida na nova casa, bonita, mas de toda maneira assustadora. Seu pai, Howard, é um professor de ciências do ensino médio que, por óbvio, não admite supostas justificativas que não contemplem o estritamente cartesiano — inclusive para os fenômenos que se materializam sem que ninguém lhes conceda permissão. Marlon Wayans vai, a pouco e pouco, adequando-se ao ritmo da colega mais jovem, e os dois sabem valorizar bem os diálogos nerds sugeridos pelo roteiro de Robert Rugan e Todd Berger, mormente nos trechos em que combatem Jack, a criatura demoníaca que corrompe almas e as arrasta para o além, com a ressalva de que, caso não o façam até a meia-noite, ele há de permanecer neste plano para sempre, ou quando uma imensa abóbora flamejante ameaça incinerar tudo e todos. Na pele de Emily, Kelly Rowland, por seu turno, nunca está confortável com o que Wadlow lhe reserva, nem mesmo nas passagens em que fica cara a cara com a gigantesca cucurbitácea, sendo resgatada, por evidente, pela filha e o marido.

As alegorias quase pueris de “A Maldição de Bridge Hollow” sobre o medo do desconhecido — incluindo-se o medo de crescer — disputam  protagonismo com as subtramas de monstros que acham de saciar seu apetite por sangue numa aparente filial do paraíso, que gente como a prefeita Tammy, de Lauren Lapkus, corrompe à luz do dia. A mensagem que Wadlow deixa nas entrelinhas alude à morte, sim, mas à morte do que nos abrevia a existência sem a necessidade de voltar ao pó.


Filme: A Maldição de Bridge Hollow
Direção: Jeff Wadlow
Ano: 2022
Gêneros: Terror/Comédia
Nota: 8/10