Bestseller com milhões de cópias vendidas estreia na Netflix e vai te manter intrigado por 89 minutos Felipe Hernández / Netflix

Bestseller com milhões de cópias vendidas estreia na Netflix e vai te manter intrigado por 89 minutos

Escrever é uma aventura perigosa. Ao atravessar o raciocínio e a emoção de quem escreve e chegar à rudeza impessoal do papel ou à fria tela dos ousados dispositivos que nos rodeiam, num cerco cada vez mais sufocante, um texto já começa a sofrer alterações, e que o desditoso escriba não se queixe se seus personagens tomarem-lhe o lugar no coração do público: é esta a vocação natural de quem transforma sua única vida em tantas outras, apropriando-se de mágoas e gozos que, na verdade, são de toda a natureza humana. Sátira cruenta do processo criativo literário, “O Clube dos Leitores Assassinos” torce alguns dos clichês tantas vezes encontrados em histórias de intelectuais jovens e perturbados por seu próprio gênio incompreendido, intenção que o diretor Carlos Alonso Ojea alcança com bastante método, mas sem prejuízo da força do que narra.

O roteiro de Carlos García Miranda, autor do noir juvenil homônimo, vai e volta nas angústias de um grupo de amigos que se descobrem amantes dessa estranha arte de transpor para o papel emoções e pensamentos, mas que também precisam desvendar um mistério que pode arruinar muito mais que uma trajetória promissora no mundo das belas letras.

Esses tipos suspeitos, ofegando à luz bruxuleante do fogo, parecem absortos por uma espécie de pacto de sangue, até que as chamas se apoderam da biblioteca onde se desenrola a sequência inaugural, um primor na edição de Luis de la Madrid. “Dom Quixote”, a epopeia utopicamente nostálgica de Cervantes, é o primeiro a arder, e, logo depois, um computador aberto numa sala de bate-papo também queima, permitindo que se leia sobre uma tal Garota de Carrión e uma sentença de morte. A cena corta para alunos a  caminho da universidade; alguém passa apressado e derruba no chão o celular de Ángela, a talentosa aspirante a escritora interpretada por Veki Velilla, que se inclina para resgatar o aparelho e é surpreendida por Nando, a figura meio artificialmente desajustada vivida por Iván Pellicer, e que a pouco e pouco prova-se a grande revelação do filme ao fazer seu anti-herói oscilar de insinuações sexuais um tanto cafajestes para um sincero pendor para partilhar com Ángela o gosto pela literatura, aceitando, inclusive, suas sugestões quanto a que obras dedicar seu tempo. Miranda deixa nítida sua obsessão pelo assunto colocando outra dupla nessa subtrama. Rai, o candidato a delinquente de Carlos Alcaide, foge de Sara, a moça romântica encarnada por Ane Rot, porque sente que ela está se apaixonando, e ele só ama a si mesmo. A alusão ao palhaço assassino que dá azo ao longa vem numa conversa entre Ángela e Sebas, o intelectual refinado a que Álvaro Mel dá vida, momento em que o diretor passa a elaborar com mais intensidade o componente de terror do enredo.

No desfecho, Ojea trata de esclarecer os mistérios que rondam os integrantes do clube, o tal saltimbanco matador, deixando para uma provável continuação se deter sobre as verdadeiras razões do criminoso, mas afiando suas críticas acerca do mercado publicitário e seus best-sellers de laboratório, com fórmulas mágicas para encantar as próximas vítimas.


Filme: O Clube dos Leitores Assassinos
Direção: Carlos Alonso Ojea
Ano: 2022
Gêneros: Terror/Suspense
Nota: 8/10