Sequência de franquia que revolucionou os efeitos especiais no cinema é superprodução imperdível na Netflix Divulgação / Universal Pictures

Sequência de franquia que revolucionou os efeitos especiais no cinema é superprodução imperdível na Netflix

Steven Spielberg talvez seja, entre todos os grandes diretores de Hollywood, aquele que melhor alia o olfato e o apetite para negócios multimilionários à urgência de narrar histórias flagrantemente inusitadas, até vesanas, sem abdicar do lastro de metodologias e saberes meio tortos. Em 1993, Spielberg levou à tela o primeiro longa de uma franquia que se tornou verdadeira grife — e febre saborosamente incurável — no cinema de ficção científica, e em 2018, ao fim de meio quarto de século, chega a vez do espanhol Juan Antonio Bayona também integrar o time dos cineastas que perpetuam um legado aparentemente eterno. Quem procurar novidade em “Jurassic World: Reino Ameaçado” vai ficar no sereno. A história é a mesma, os cenários são os mesmos, é possível se inferir que determinados personagens continuam com a visão de mundo de três décadas atrás, repetindo o que se assistia em “Jurassic Park: Parque dos Dinossauros”, outro dos motivos para um instante de análise sobre aonde nos conduziu o livre-pensamento; a glorificação irracional e a todo custo da ciência; o extermínio da fauna e da flora; e o entendimento da vida infra-humana como uma possibilidade infinita (e rentável) de diversão para mulheres e homens esvaziados em suas relações líquidas, ainda que por meio da exploração de feras colossais e pantagruélicas, decerto também acuadas por se sentirem num mundo de que não mais fazem parte.

O roteiro de Colin Trevorrow, diretor de “Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros” (2015), e Derek Connolly abusa das imagens de que Spielberg já lançara mão, voltando ao epicentro dos conflitos que ancoram as sete produções da franquia. Agora, a ilha Nublar, a ilha dos dinossauros, éden maldito distante da Costa Rica 193 quilômetros a oeste, é vista primeiro sob uma massa de água de milhares de toneladas, pelo fundo do oceano Pacífico. Técnicos operam uma geringonça que tenta resgatar o fóssil de uma Indominus Rex; quando conseguem, enviam-no à superfície, onde deságua uma tempestade tropical que inquieta a equipe que segue trabalhando no que resta do parque, interditado três anos antes. O longuíssimo prólogo explica que em 2015 um desastre implicou numa carnificina sem precedentes, e a Masrani Corporation, a administradora da reserva, foi à bancarrota, obrigada a pagar mais de oitocentos milhões de dólares em indenizações. A BBC matraqueia que geólogos um evento de destruição em massa acabará com os últimos dinossauros do planeta, e como tragédias chamam outras hecatombes, o vulcão do monte Sibo está prestes a expelir lava fervente por toda a selva, dando azo a manifestações ruidosas de associações pelos direitos dos animais ao redor do globo e a uma comissão especial do Senado americano, atônita diante de uma pergunta cuja resposta, qualquer que seja, pode significar um gênero muito singular de apocalipse.

No segundo ato, o doutor Ian Malcolm de Jeff Goldblum volta para dar seu testemunho ao tal comitê sobre o que acontecia em Nublar quando de sua passagem como geneticista do parque e galã possível do longa de há três décadas, enquanto nas beiradas cresce uma operação para resgate dos derradeiros répteis superdesenvolvidos a habitar a ilha. Junto com o personagem de Goldblum, Trevorrow e Connolly trazem de volta Chris Pratt e Bryce Dallas Howard na pele de Owen Grady e Claire Dearing, cujo redobrado empenho em salvar aqueles monstrinhos quase adoráveis esbarra em profanações do leitmotiv original que deixaram os fãs mais reacionários em cólicas. Howard confere uma medida de leveza às instalações estritamente tecnológicas e agrestes do parque, rigorosamente iguais às do filme de Spielberg com as óbvias atualizações da cibernética, e ao passo que uma grua à moda antiga segue a fúria assassina dos dinossauros, a memorável trilha de Michael Giacchino revive as arcaicíssimas lembranças dos garotos de dez ou onze anos que assistiram ao filme em pré-históricas salas de cinema de rua, substituídas por templos evangélicos de mil e uma noites. Pratt continua no papel do candidato a salvador da humanidade, que cai como uma luva para seu carisma musculoso, mas o discurso pseudofilosófico de Malcolm por pouco não deita tudo a perder. Quem nos garante que, uma vez forçado o homem a coexistir com aqueles lagartos de até cerca de quarenta metros de altura, eles não hão de se tornar os novos donos da Terra, de uma vez para sempre?


Filme: Jurassic World: Reino Ameaçado
Direção: Juan Antonio Bayona
Ano: 2018
Gênero: Ação/Ficção científica
Nota: 9/10