Épico nigeriano da Netflix está entre os filmes mais vistos do mundo na atualidade Divulgação / Netflix

Épico nigeriano da Netflix está entre os filmes mais vistos do mundo na atualidade

Os conflitos ancestrais de um povo habitam o inconsciente coletivo como a ferida incurável na alma plena da agonia pelos que tombaram em nome da liberdade. Essa é uma das mensagens por trás de “Jagun Jagun: O Guerreiro”, o mais novo épico de Nollywood dirigido por Adebayo Tijani e Tope Adebayo, que situam seu filme num tempo incerto, de reinos primitivos de bravos guerreiros dispostos não só a manter a segurança de sua gente a todo custo, mas também a se lançar a batalhas fratricidas para expandir seus domínios, o que, claro, nem sempre é-lhes vantajoso. Tijani e Adebayo revisitam a história da Nigéria com a intenção de exaltar a bravura desses pioneiros de tempos de incerteza e sangue, em nome de uma causa nobre e duvidosa muitas vezes, lembrança de que o homem irmana-se em suas misérias e custa a aprender lições tão simples quanto vitais.

O roteiro de Tijani e Femi Adebayo elabora um comentário sociológico sobre os males políticos da África, aplicáveis a qualquer lugar, em qualquer era, malgrado a natureza eminentemente nuclear da história imponha-se. A abertura, com a câmera deslizando pelas milenares florestas nigerianas, termina na figura de um homem. Ogundiji, um guerreiro forte protegido por encantamentos, implacável, um furacão que passa por cima de tudo, o mensageiro dos poderosos, é o único que lucra com os dias trevosos de desespero e morte. Caricatura grosseira dos déspotas modernos, Ogundiji, vivido pelo próprio Femi Adebayo, faz a vida com a desgraça alheia, conquistando terras para usurpadores que chefiam negócios lucrativos em seus domínios. No momento em que passa a ser encarado como um perigo real para o progresso de Keto, o reino do soberano Kayeja, as forças do estabelecido voltam-se contra ele. Sequências a exemplo daquela que registra a tentativa de assassinato do primogênito de Kayeja, debalde graças a um feitiço de Gbogunmi, “o que ninguém ousa desafiar”, filho de Ogun Lagbede, imprimem à narrativa uma bem-vinda atmosfera da polissêmica magia da África, que resiste ao caos do oportunismo e da miséria redobrando a aposta no amor em suas quatro formas, storge, philia, eros e ágape, cada qual agindo num ponto muito bem delimitado da essência do homem. O mais humano dos sentimentos resiste à maldade que brota da mesma fonte.

Tijani e Adebayo empenham uma mensagem de justiça social como uma adaga expedita, mormente para a juventude africana do século 21, condenando o ritual salvífico e messiânico em que filhos das classes operárias são chamados a sacrificar-se em nome das elites. A ingenuidade de “Jagun Jagun: O Guerreiro” comove, inclusive nos figurinos e cenários artesanais, quase mambembes, o que não deixa de ter uma função, até subliminar. A África e seu cinema não se dão por vencidos.


Filme: Jagun Jagun: O Guerreiro
Direção: Adebayo Tijani e Tope Adebayo
Ano: 2023
Gêneros: Drama
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.