“Imperdoável”, estrelado por Sandra Bullock e inspirado em uma série televisiva, tece um intricado emaranhado de histórias tristes que convergem em uma direção comum, todas guiadas pela mesma protagonista.
Lançado em dezembro de 2021, o filme, dirigido pela alemã Nora Fingscheidt, inicia-se com uma mistura habilidosa de cenas do passado e do presente, ilustrando a luta de uma mulher para reconquistar sua própria vida. Ruth Slater, personagem interpretada por Bullock, recebe liberdade condicional após cumprir uma pena de vinte anos pela morte de um xerife. O crime ocorre quando o oficial invade a casa onde Ruth vivia com sua irmã Katherine, apelidada de Kate, interpretada por Aisling Franciosi, que é trinta anos mais nova. O pai delas, representado por Aaron Pearl, havia cometido suicídio. O xerife estava cumprindo uma ordem de despejo contra Ruth e Kate, decorrente do não pagamento do financiamento da casa.
O longa se transforma numa saga ao acompanhar o desenrolar da vida de Ruth fora da prisão. Se a vida encarcerada não era exatamente fácil, a protagonista de “Imperdoável” enfrenta novos desafios em liberdade. O primeiro é evitar problemas, mesmo vivendo em uma pensão que aluga quartos para ex-detentas. Sua nova residência consiste em um pequeno cubículo, que divide com outras três mulheres, além de um banheiro, compartilhado com todas as residentes, restando a ela apenas dez minutos diários para o banho. Todas parecem saber do seu passado, embora ela permaneça fechada em si mesma, como uma concha no fundo de um oceano de tristezas.
A roda do destino tem um movimento circular, e muitas vezes acaba retornando ao ponto inicial. A despeito das advertências de Vincent Cross, interpretado por Rob Morgan, o agente encarregado de supervisionar sua liberdade condicional, para que ela evitasse contato com pessoas de alguma forma ligadas ao crime que cometeu, há algo que impulsiona Ruth de volta à desgraça que se abateu sobre sua vida duas décadas atrás. Ela acaba visitando a casa onde morava com Kate, que é agora ocupada por Liz e John Ingram, interpretados por Viola Davis e Vincent D’Onofrio, respectivamente. Para a ex-detenta, o mundo se tornou um lugar do qual não consegue se sentir parte, com exceção, talvez, daquela propriedade perdida no meio da zona rural de Seattle, no noroeste dos Estados Unidos. Ruth viaja até lá e passa um tempo, talvez horas, admirando aquele pedaço de paraíso perdido. Até que é notada por Liz, que pede ao marido para descobrir a identidade da intrusa.
Os jornais não se referem mais ao local como “a casa do homicídio”, e ninguém ali tem a menor ideia de quem seja Ruth Slater. Quando ela revela que passou boa parte de sua vida naquela casa, Ingram a convida a entrar. É impossível fazer qualquer suposição sobre o passado sombrio de Ruth apenas por sua aparência — por mais desleixada e desgrenhada que esteja —, mas John, um advogado experiente, percebe que a personagem de Bullock esconde um mistério. E é justamente a sua perspicácia que os aproxima, à medida que John se comove com a desgraça de Ruth e se propõe a ajudá-la. E é aí que “Imperdoável” ganha impulso.
O conflito entre Ruth e Liz, que quer que ela fique longe de sua casa e de sua família, é apenas uma pequena parte de todo o preconceito que a protagonista é forçada a enfrentar diariamente. Ruth está determinada a mudar de vida — já manifestava esse desejo ainda na prisão, quando completou um curso de carpintaria, que lhe garante um emprego em uma construção beneficente. Além deste trabalho diurno, ela trabalha à noite desmontando e embalando peixes em um frigorífico, por indicação de Cross, enquanto tenta ter a chance de ver sua irmã novamente, com a mediação de Ingram. Mas a vida para ela é cruel, e parece que quanto mais se esforça para escapar do abismo, mais o chão lhe falta.
Fingscheidt e os roteiristas Peter Craig, Hillary Seitz e Courtenay Miles escolhem o momento exato, nem cedo nem tarde demais, para revelar o motivo pelo qual Ruth deseja tanto esse reencontro. As sequências que mostram trechos do passado da protagonista, em que detalhes do crime são esclarecidos, são apresentadas na forma de flashes instantâneos, sugerindo uma maneira completamente nova de supor em que circunstâncias o xerife foi assassinado. Tudo de maneira tão elegante quanto um filme com essa carga dramática consegue, o que, por sinal, o conduz a um desfecho inesperado, porém feliz. Como mencionei no início deste artigo, “Imperdoável” é uma série de tramas paralelas que acabam por se cruzar em algum ponto do infinito.
Filme: Imperdoável
Direção: Nora Fingscheidt
Ano: 2021
Gênero: Drama/Suspense
Nota: 9/10