Cormac McCarthy e seu interesse sem fim pela ciência

Cormac McCarthy e seu interesse sem fim pela ciência

Diz o crítico Roberto Schwarz que todo grande escritor poderia ser um cientista de ponta. A vontade de inovar, romper limites, achar o que nunca foi conhecido, é a mesma de uma pessoa que está num laboratório e aquele que vive numa escrivaninha fabulando histórias. Morto esta semana, o escritor Cormac McCarthy (1933-2023) levou à prática, como nenhum outro autor, a disposição de aproximar a escrita e o mundo da ciência. A prova disso foi a ligação dele com o Santa Fe Institute (SFI), nos Estados Unidos.

Cormac conheceu nos anos 1980 o físico Murray Gell-Mann (ganhador do Prêmio Nobel de 1969), e este não teve dúvida de quem chamaria para compor um novo instituto avançado de pesquisa científico. Eles perceberam de imediato que tinham os mesmos interesses pelo conhecimento humano, sobretudo algo chamado sistemas complexos. Foi desse encontro que nasceu o SFI, onde o autor de “Meridiano de sangue” se tornou uma das figuras centrais e poderia se esconder do mundo das celebridades.

O SFI era o esconderijo perfeito para Cormac. Naquele espaço, ele trocava ideias com cientistas de ponta a respeito de todo e qualquer assunto. Ao mesmo tempo, trabalhava longamente seus romances e os discutia naquele ambiente. Não é por acaso que o escritor passou a morar na cidade de Sanfa Fe, no estado do Novo México, para ficar próximo do instituto. O depoimento de David Krakauer (presidente do instituto) é bem ilustrativo de como era a relação de McCarthy com os cientistas.  

“Cormac refutou ao longo de sua vida e obra o mito mesquinho de que não se pode ser amplo e profundo ao mesmo tempo. Ele lia de tudo, podia cantar e tocar uma canção folclórica após uma única audição, adorava um terno bem cortado, projetava casas para seus amigos. Ele se torturou com a filosofia da matemática e me ensinou a geometria da estante ideal. Não tenho certeza do que fazer com o mundo sem ele nele”, disse Krakauer, ao comentar a morte do amigo.

Para se ter mais uma prova dessa relação, o SFI abrigou em 2015 uma performance com trechos do romance “O Passageiro” (2022), bem antes da publicação oficial. Aquele evento contou com trabalhos do artista James Drake, a trilha sonora de John McCarthy (filho do escritor) e performances de Caitlin McShea. No final, o livro trouxe uma série de questões de ciência, matemática, teoria gravitacional, ideias de S-matrix e citações a nomes de físicos muito conhecidos.

De sua inseparável máquina de escrever, Cormac McCarthy formulou o curiosíssimo manifesto de “princípios operacionais” do SFI, que servem tanto para a literatura, quanto para as artes. Trata-se de uma declaração única em favor do conhecimento, do saber, em tempos de devastação, tão bem elaborado pelo autor em seus romances. E quem quiser conhecer mais a história do escritor, pode assistir à conversa dele com David Krakauer:


Cormac