Um dos filmes mais alucinantes do cinema está na Netflix e não te deixará desviar o olhar por duas horas Divulgação / Paramount Pictures

Um dos filmes mais alucinantes do cinema está na Netflix e não te deixará desviar o olhar por duas horas

Christopher McQuarrie não deixa tão claro o que pretende com seu “Missão: Impossível: Efeito Fallout” (2018), que além da comoção habitual que alcança muito mais que as plateias já afetas a tramas dessa natureza, serve de genuíno libelo contra a incurável ganância do homem, aqui em busca de um recurso mineral que pode minar de vez as já precárias condições de sobrevivência na Terra. Este trabalho de McQuarrie, diretor de cinco dos oito filmes da franquia — sem incluir “Missão: Impossível: Acerto de Contas Parte Um” e “Missão: Impossível: Acerto de Contas Parte Dois”, previstos para 2023 e 2024, quando o anti-herói vivido por Tom Cruise ou troca de pele ou sai de cena de vez —, replica o amálgama de elementos de que não se pode prescindir num bom filme de ação, visto à farta em “Jack Reacher: O Último Tiro” (roteiro sem lacunas; edição ágil; o sobe e desce da trilha sonora, muito atenta aos rumos que a história vai tomando, atuando como um ótimo complemento e nunca estrangulando os diálogos; coreografias impecáveis e elenco coeso), até que tudo quanto se tem a dizer se esgote por si só, no tempo certo, nem antes nem depois.

O diretor-roteirista tem esse condão de encadear cenas as mais avessas ao cotidiano do homem comum de modo a fazer com que passe como hábito de qualquer um despencar do alto de pedreiras, sair no encalço dos lobos da humanidade a bordo de aeronaves em chamas, comprar briga com tipos os mais suspeitos e escapar por um milímetro de tiros que passam ao largo da carne do pobre candidato a salvador da humanidade. “Efeito Fallout” reúne também considerações sobre a insânia de ser ter aberto mão do conceito da vida como um milagre, inexplicavelmente desprezado; sobre a aceitação da premissa, enganosa, de que só conseguiremos o progresso por meio de uma degradação ambiental metódica, que redundará, por óbvio, no nosso próprio extermínio. Frente a verdades dessa natureza, tão incômodas como desatendidas, o espectador se dá conta de que o existir parece em muitas circunstâncias uma imensa rua, deserta e mal-iluminada durante uma longa madrugada chuvosa, e quanto mais nos embrenhamos nela, julgando estarmos perto da saída, menos segurança temos quanto ao ponto em que na verdade nos achamos. Só nos resta continuar essa perambulação às cegas e torcer para que uma alma bondosa nos venha resgatar, como se cada segundo de que dispomos houvesse se tornado inestimavelmente valioso e precisássemos de cada migalha do inclemente tempo para conquistar nossa redenção.

Os Apóstolos, uma ramificação bioterrorista do Sindicato sem propósitos muito bem definidos que não espalhar o caos por meio de manifestos apocalípticos, se infiltra na FMI, a Força de Missões Impossíveis, na pele de um tal John Lark, responsável por surrupiar a carga de plutônio necessária para desenvolver não uma, mas três bombas nucleares. Ao Ethan Hunt de Cruise é incumbida a tarefa de recobrar o plutônio, só que para tanto ele terá de primeiro conter a ira de Solomon Lane, o psicopata interpretado por Sean Harris, com quem Hunt já havia se batido em “Missão: Impossível: Nação Secreta” (2015), mas que o mocinho preferira deixar viver. As forças de segurança e as autarquias de inteligência se põem no encalço de Lark e dos outros facínoras, mas imprevistos obrigam Alan Hunley, o chefe da FMI de Alec Baldwin, a despachar Hunt para Paris a fim de limitar outros contratempos e garantir que a fatura seja zerada antes que uma catástrofe mundial de dimensões irreparáveis tome forma.

Nesse ponto, entram na história outros dois personagens ligados à FMI, Erica Sloane, de Angela Bassett, e August Walker, papel de Henry Cavill, que ganha destaque no terceiro ato ao renunciar à dualidade inicial e incorporar de vez sua aura perniciosa, essencial quanto a tirar o derradeiro véu de questões que permaneciam inexoravelmente nebulosas. O verdadeiro embate do longa, envolvendo Hunt e Walker, sintetiza o mote central de “Efeito Fallout”: ao passo que Hunt se apresenta como um homem solitário, meio sem norte na própria vida, oscilando de ermitão involuntário para misantropo assumido, o amável Walker se vale de seu pretenso bom-mocismo para atingir metas delituosas. Ao cabo da sequência em que se encontram cara a cara depois de derrubarem o helicóptero um do outro, “Missão: Impossível: Efeito Fallout” termina com tudo devidamente esclarecido e os personagens de Cruise e Cavill ocupando o lugar que lhes cabe.


Filme: Missão: Impossível — Efeito Fallout
Direção: Christopher McQuarrie
Ano: 2018
Gêneros: Ação/Aventura/Drama
Nota: 10/10