Chega um momento na vida em que, se tínhamos alguma ilusão quanto a ser capaz de dar cabo dos problemas do mundo, essa quimera de onipotência é soterrada pela inescapável verdade que nos lança ao rosto que arrumar nosso próprio quarto já é exaustivo o bastante. Todavia, pulando de sonho em sonho, o mocinho de “Jumper” consegue, ao menos para si mesmo, fazer com que a dureza da realidade adquira uma textura mais suportável, e a partir dessa crença desabridamente estranha, acaba tornando possível ser real o mundo perfeito que busca. O filme de Doug Liman serve-se bem dos vários clichês que elenca ao cabo de hora e meia, abrindo espaço para que personagens às vezes antagônicos entre si integrem núcleos coesos, dando à história o ar de fábula que enverga com gosto. Aqui, tudo quanto se deseja é manter a acesa a chama da rebeldia, que aquece todos os outros sentimentos de que o existir se nutre.
O roteiro de David S. Goyer, Jim Uhls e Simon Kinberg apresenta David Rice, o super-herói torto vivido por Hayden Christensen, como alguém meio desconfortável sob a própria pele, por mais isso demore a transparecer. A introdução ágil capta o interesse do público de vez, afinal, como não achar no mínimo perturbador que um ser humano aparentemente comum tome café em Paris, pegue umas ondas nas Maldivas, tire um cochilo no monte Kilimanjaro, no norte da Tanzânia, e flerte com uma polonesa no Rio (?!), tudo isso numa mesma manhã? Inimigo número um da rotina, David, interpretado na primeira fase por Max Thieriot, vai sendo desmistificado à medida que se constata que a mãe fora embora quando ele ainda era criança e o pai, William, de Michael Rooker, não faz questão alguma de conviver com ele. A princípio, Liman deixa que o espectador tenha doces ilusões quanto à natureza única de seu protagonista; entretanto, quanto mais o enredo avança e se conhece ao certo um dos usos que David faz de seu dom, mais o público o repele ao passo que também se interessa mais pela história, organicamente dialético.
O diretor é hábil nesse movimento de condenar e absolver David, e logo que explicita-se essa dubiedade fundamental do antimocinho de Christensen, junto com elementos que o favorecem e o incriminam, surgem também personagens que encarnam uma e outra condição. Na figura de Roland, o tipo justiceiro a que Samuel L. Jackson dá corpo, tem-se claro que David nunca foi exatamente um benemérito da humanidade — embora ele mesmo não possa servir de exemplo a ninguém —; no sentido inverso, Millie, essa, sim, a grande heroína da trama, concentra o pouco de intenções verdadeiramente boas que pode haver na viagem ególatra de um garoto mimado, saltando de continente em continente na velocidade da luz à cata de si mesmo.
A entrada de Diane Lane na pele de Mary, a mãe com quem David tem um breve acerto de contas, torna “Jumper” um pouco mais dinâmico, já na proximidade do desfecho, num tropo meio “O Exterminador do Futuro”, e por mais simplório que seja tudo aqui, torce-se por ele. Afinal, ninguém pede para nascer.
Filme: Jumper
Direção: Doug Liman
Ano: 2008
Gêneros: Thriller/Ficção científica/Aventura/Ação
Nota: 7/10