Bula de Livro: O Nome da Rosa, de Umberto Eco

Bula de Livro: O Nome da Rosa, de Umberto Eco

Meninas e meninos, eu li, “O Nome da Rosa”, do italiano Umberto Eco. Um dos conceitos definidores do mundo contemporâneos mais difíceis de serem compreendidos é a noção de pós-moderno. Para os interessados em decifrá-lo, costumo recomendar a leitura do romance “O Nome da Rosa”. Trata-se, sobretudo, de um livro sobre livros, de um livro sobre as leituras realizadas ao longo da vida por seu autor. Basicamente, o pós-moderno é esse jogo estético no qual o criador artístico não dialoga, confronta ou continua o caminho da tradição, mas toma-o como elemento de sátira, pastiche, desconstrução ou comentário erudito. Ninguém fez isso melhor do que Umberto Eco.

Sua defesa de tese é o romance histórico de detetive “O Nome da Rosa”, ambientado em um mosteiro medieval durante sete longos dias. Um romance que foi escrito, segundo palavras do autor, porque “lhe deu vontade”, acrescido do “desejo de envenenar um monge”. Quem nunca?

Certamente, “O Nome da Rosa” não é o livro mais impactante, estilisticamente rico ou influente das últimas décadas, mas, certamente, é um marco simbólico. Uma espécie de Queda da Bastilha da literatura moderna. Sabemos que a prisão da Bastilha estava vazia quando foi invadida pela turba revolucionária francesa, mas isso não tirou a importância do evento.  

Umberto Eco era um acadêmico reconhecido quando, já cinquentão, lançou seu primeiro romance, em 1980. Rapidamente, o livro foi definido como sendo um “best-seller de qualidade”, ao lado de obras acessíveis e ao mesmo tempo refinadas como “O Perfume”, do alemão Patrick Süskind, e “Memórias de Adriano”, da belga Marguerite Yourcenar, porém, “best-seller de qualidade” não deixa de ser um título passivo-agressivo. Primeiro “O Nome da Rosa” ganhou láureas literárias, destacadamente o Prêmio Strega de 1981, sendo unanimemente aplaudido. Depois, o sucesso estrondoso gerou desconfiança. Um livro tão bom não pode vender tanto. Precisa ter sucesso moderado, salvo se o autor estiver morto. Esse mesmo padrão de elitismo e hipocrisia crítica atingiu “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez, e “A Insustentável Leveza do Ser”, de Milan Kundera. 

Seja como for, diferentemente de Kundera, que virou um eremita parisiense, e de García Márquez, que entrou no culto secular de Fidel Castro, Umberto Eco tornou-se o tipo ideal do intelectual público do final do século 20 e começo do 21, aprendendo a usar a mídia e a internet a seu favor. No final da vida substituiu o ídolo Jorge Luis Borges como sendo o último profeta da cultura ocidental e, purificado pela morte, começou a receber o merecido status de clássico contemporâneo. Não ganhou seu Nobel, mas até aí, o velho Borges também não. 

Merecia o Nobel? Talvez não, considerando os gigantes que ganharam, mas acredito que sim, considerando muitos autores inferiores que também ganharam. Se, por um lado, Eco não foi um grande estilista, o fato é que a carpintaria estrutural de “O Nome da Rosa” é impecável. Definia o ato de escrever um romance como sendo um “fato cosmológico”. Não é injusto considerar que Eco foi mais um professor e teórico que conhecia profundamente as estruturas narrativas do que necessariamente um escritor puro. Seu maior mérito estava em sua capacidade de construir mundos altamente complexos e criar personagens carismáticos envolvidos em situações intrigantes, misturando cultura erudita e pop. Nada mais pós-moderno.

A magia se repetiu no sofisticadíssimo “O Pêndulo de Foucault”, seu segundo romance, de 1988. Acabou por aí, mas não foi pouco. Se sua obra ficcional posterior fica entre o meramente bom, o medíocre, o fraco e o sofrível, ninguém pode tirar de Umberto Eco o mérito de ter composto duas obras-primas do gênero romance. Uma ecoando na outra.


Livro: O Nome da Rosa
Autor: Umberto Eco
Tradução: Jorge Vaz de Carvalho
Páginas: 579 páginas
Editora: Record
Nota: 10/10