Filme com Antonio Banderas, na Netflix, para desligar o cérebro e relaxar após um longo dia de trabalho Divulgação / Millennium Films

Filme com Antonio Banderas, na Netflix, para desligar o cérebro e relaxar após um longo dia de trabalho

Não há nada mais corriqueiro na vida do homem do que a própria banalidade, batalha perdida que insistimos em travar com os fantasmas mais ocultos e menos óbvios que habitam nossas profundezas mais inacessíveis. Vão tomando vulto na rotina do mais comum dos homens os inúteis pensamentos sobre se aproveitamos o tempo que nos reserva a vida da maneira mais diligente, e essa é a porta para uma cornucópia de indagações tão mais cansativas e ainda mais despropositadas, acerca da desvairada possibilidade de se voltar ao que fomos. São consumidas horas de sono, que costumam derramar-se para o expediente de trabalho, em que, passando por cima do que aconselham a razão e a prudência, elucubramos, tecemos digressões as mais insanas acerca de como teria sido nossa jornada se houvéssemos tomado essa ou aquela decisão a respeito de tal ou qual assunto; uma energia poderosa é gasta com meditações vagabundas — que embora absorventes, não resistem à chama da vida ardendo lá fora — sobre o que seríamos se não fôssemos o que nos tornamos e, como todo incômodo sempre pode maltratar um pouco mais, não tarda a desvanecer como veio, e também nós acabamos por nos deixar sumir no labirinto de insânia que nos entontece, cheio das passagens que guardam os mistérios que nunca haveremos de revelar nem para nós mesmos. Ao termo de tanto autossacrifício, depois do sofrimento sem trégua que devotamos em nos aplicar com gosto, chegamos ao fim de um caminho que não dá em parte em alguma, carregados de muito mais inquirições que quando do princípio da travessia, sem saber ao certo o que desejamos. E extenuados de todo.

Certos indivíduos têm talento um pouco mais aguçado quanto a padecer das pequenas e grandes amofinações com que a vida nos regala, escapando do abismo graças a uma sorte também fora do ordinário, como se dispusessem a todo instante dos poucos artifícios de que a natureza humana pode se valer para não se deixar abater — em muitas situações até sem figura de linguagem — e continuar no jogo. Essas criaturas, feitas de um barro muito diferente, provam que seres humanos, mulheres e homens desditosos na algaravia silenciosa do mundo, podem tudo quanto desejarem — desde que não se percam pelo caminho e saibam conduzir suas jornadas do modo menos traumático. O protagonista de “Security” quiçá tivesse tudo para ser um dos super-homens de Nietzsche, um daqueles tipos inquebrantáveis, firmes em sua missão de nunca lançar a toalha, nem depois da luta terminada e perdida, das luzes apagadas, do avanço da noite, do abandono da plateia. Os diretores Alain Desrochers e Les Weldon nunca dizem-nos ao certo que mal terrível desabou sobre seu herói — que as evidências apontam ser um anti-herói clássico —, porém qualquer um lhe enxerga as fraquezas que o fazem implorar por socorro, mesmo que o admitir nunca lhe passe pela cabeça perturbada.

É impossível não se sentir pena de homens como Eduardo Deacon, dos raros exemplares de macho men da brilhante trajetória de Antonio Banderas. O eterno muso de Almodóvar, pela lente de quem tornou-se mundialmente famoso por produções em que se permitia despir, literalmente, de preconceitos — caso de “A Lei do Desejo” (1987) —, suplica por uma colocação para a assistente social de Shari Watson. Eddie, um ex-capitão do exército, desempregado há mais de um ano, se enfia numa lata velha e corre toda a cidade à cata de emprego, duplamente angustiado ao não ter mais por perto a filha e a agora possível ex-mulher. Essa falta de concretude em rigorosamente tudo quanto diga respeito ao personagem de Banderas aborrece no início, deveras, mas logo é amaciada pelo carisma magnético do ator, um rematado ladrão de cena, e por evidente ao ótimo texto de John Sullivan e Tony Mosher, que longe de esclarecer algum dos tantos mistérios a rondar figura de Eddie, acrescem-lhe ainda mais segredos, cabendo ao público a saborosa função de detetive.

Ainda no primeiro ato, o protagonista, já investido do posto que lhe consegue a personagem de Watson, como segurança de um shopping center num lugar ermo, se vê de frente ao desafio que há de redefinir sua vida para sempre. Vencida a repulsa por Vance, o chefe fanfarrão e vaidoso interpretado por Liam McIntyre, Eddie é interpelado por uma garota, desesperada por ajuda. Jamie, de Katherine de la Rocha, consegue ser ainda mais enigmática e desgraçada que seu candidato a salvador, e a parceria dos dois, sem dúvida, é o que desafia o leitor a saber no que tudo aquilo vai dar, afinal. A cereja do bolo, de uma história cujo noir é muito bem ressaltado pela fotografia de Anton Bakarski, em que predominam azuis —petróleo e cinzas-chumbo, é sir Ben Kingsley como Charlie, um vilão quase elementar, mas, de acordo com todo o resto, também pleno de meandros impenetráveis.


Filme: Security
Direção: Alain Desrochers e Les Weldon
Ano: 2017
Gêneros: Ação/Crime
Nota: 8/10