Tenso e perturbador, filme da Netflix vai te arrastar para dentro dele e te fazer se contorcer no sofá por 85 minutos Saerún Norén / Netflix

Tenso e perturbador, filme da Netflix vai te arrastar para dentro dele e te fazer se contorcer no sofá por 85 minutos

Amor, a uma apreciação mais ligeira, passa longe do entendimento racional sobre o mundo, da capacidade de raciocínio à prova de súbitas influências externas, da frieza imprescindível para se absorver o próprio sentimento amoroso, uma vez que o amor é fogo que queima sempre, mesmo em cenários inóspitos, onde o gelo da indiferença e do egoísmo parece sufocar tudo. A lógica do amor repele solenemente acordos, pactos, normas, regras, métodos, mormente os que tentam versar sobre outras humanas emoções, e tanto mais os que têm a pretensão de calar o que pode haver de mais genuinamente valioso no espírito do homem, sua fé no outro, terreno onde começa a brotar o fundamento do amor como elo mais estreito e mais indevassável entre duas pessoas que se querem bem, que por seu turno deslinda-se na versão mais poética e mais transformadora de amor, porque alcança milhões de almas de uma vez só e tem o poder de se alongar para muito além do próprio tempo em que acontece, mágica cada vez mais impossível, e logo, necessária.

O amor romântico, por evidente, tem seus pontos de contato com a mais sublime das formas de se amar. Gradualmente mais oculto e mais raro no coração dos homens, o amor à humanidade tem sido minado por manifestações de ódio e preconceito gratuitos, incontroláveis, de norte a sul do globo, sem argumento algum que possa sequer esboçar uma justificativa, ainda que saibamos todos os que partilhamos da ideia de civilização que não há a mais pálida sombra de desculpa para atitudes tão desumanas, tão descasadas do que temos de mais nosso e que tanto nos custou, nosso direito à diferença, a cantar a maravilha de ser alguém que nunca mais há  de existir, calcado em apreço por expressão livre, governos livres, democracia, imprensa no gozo pleno de suas atribuições. “Ponto Vermelho” não vai tão longe, mas, assim mesmo, o sueco Alain Darborg abre um leque vasto acerca das discussões que tocam a uma modalidade muito característica, pontual e sutil de racismo em seu país, composto maciçamente por cidadãos brancos, mas que se flagram rodeados pela presença de negros, incômoda para alguns, quando esperavam ser os senhores exclusivos de tudo.

Em Estocolmo, Nadja e David, gozam de dias de tranquilidade durante as férias, e já aqui Darborg principia a escalar o argumento da covardia do racismo, condição imprescindível para essa chaga purulenta e corrosiva se dissemine por toda parte, dispondo, claro, da providencial omissão de homens direitos. O roteiro, escrito pelo próprio diretor e Per Dickson, detém-se de pronto no casal de protagonistas, enfrentando com alguma galhardia o montanha-russa de emoções e humores de um vínculo bastante estreito, mas que apresenta um esgarçamento que, indiretamente, dá no evento infausto que os colhe. Esse primeiro segmento detalha a vida a dois de Nadja, a estudante de medicina vivida por Nanna Blondell, e David, de Anastasios Soulis, sob a perspectiva de um casal absolutamente comum, não fosse Nadja ser negra num país de brancos que, de acordo com Darborg convive pessimamente com esse dado da realidade. O personagem de Soulis, por seu turno, mostra-se patologicamente inerte, como se a então namorada tivesse de suportar humilhações veladas e explícitas agressões por não ter o tom de pele certo. O diretor faz a narrativa dar uma virada significativa na transição do primeiro para o segundo ato, quando um episódio algo eivado de mistério no posto de gasolina em que param na estrada em viagem para o extremo norte sueco, a fim de “relaxar” e ter uma “experiência” com a natureza durante a aurora boreal, presta-se à base para o desfecho cruento.

“Ponto Vermelho” é um suspense inusual, com reviravoltas a conta-gotas, que dependem (muito) do quão envolvido se fica com a história. Darborg faz sua parte ao apresentar as situações tensas que Blondell e Soulis incorporam bem, mesmo que a conclusão soe farsesca. Como a própria vida em tantas ocasiões.


Filme: Ponto Vermelho
Direção: Alain Darborg
Ano: 2021
Gêneros: Drama/Thriller
Nota: 8/10