Brutal e arrebatador, novo filme na Netflix é perfeito para os fãs de Game of Thrones Stanislav Honzik / Netflix

Brutal e arrebatador, novo filme na Netflix é perfeito para os fãs de Game of Thrones

De tempos em tempos, a humanidade embarca em aventuras precipitadas, mesmo suicidas muitas vezes, e se aprisiona nesse cenário de selvageria, horror e morte. Sempre desgostoso com suas conquistas, querendo sempre mais e mais — e com frequência o que não deve ter —, o homem se esmera por ser encarado como o centro do universo, realizando seu sonho autodestrutivo de emular o poder divino. Toda contenda em que se foi batendo até o limite de suas forças; toda conquista diante de um inimigo que só se deixava subjugar depois de muito sangue derramado; cada batalha interminável que se extinguia por si mesma com a exaustão dos dois exércitos, feito uma imensa pira que termina de arder quando já não há mais nada a ser oferecido ao inclemente fogo, presta-se à edificação do castelo em ruínas no qual o homem vai morar ainda que saiba que o preço dessa sua imprudência pode ser inestimavelmente alto. Zombamos da vida e subestimamos a morte, esperando sempre a ascensão dos semideuses que nos salvam para nos condenar pelo resto de vida com que nos amaldiçoa a natureza.

Grandes biografias nunca se constroem impunemente. É o que também acontece com Jan Žižka de Trocnov (cf. 1360-1424), o homem por trás da vitória checa na guerra civil contra a Boêmia, território na Europa Central em constante instabilidade — ao longo de mil anos, a Boêmia esteve sob o domínio do Sacro Império Romano-germânico, do Império Austríaco e do Império Austro-húngaro, e depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), passou a compor a então Chéquia, ou Checoslováquia, hoje República Checa —, além de ter comandado os hussitas, dignificando a confiança que lhe depositara Jan Hus (cf. 1369-1415), fundador do movimento. Nascido para o confronto, Žižka passou à história como um guerreiro truculento e incansável, famoso por nunca ter perdido nenhuma das pelejas em que tomou parte, e morreu lutando, até ser abatido pela peste aos 64 anos. Dono de um carisma magnético, que redundava numa liderança natural, esse eterno guardião do orgulho checo pode ainda ser considerado o criador do conceito de exército nacional, a confluência orgânica de cidadãos que pleiteiam um mesmo objetivo.

Talvez Žižka tenha sido mesmo um homem acima do bem e do mal. Essa é a impressão mais evidente depois das mais de duas horas de “Medieval” (2022) — que inexplicavelmente não faz nenhuma alusão imediata à memória do grande líder checo —, a hagiografia de Petr Jákl a partir do roteiro escrito com Petr Jákl Sr. Os dois, pai e filho, moldam a história de sua terra elaborando loas desabridos ao personagem, cuja aura de um santo rebelde e revolucionário ganha novas demãos de verniz mitológico, o que sempre puxa para cima a narrativa, com grande prejuízo do fato histórico. Justiça se lhe faça, o épico de Jákl mesmeriza o público já nas primeiras cenas, depois de breve contextualização sobre o que se vai falar, graças à fotografia estudadamente sombria de Jesper Tøffner, que abusa dos azuis petróleos e dos tons de verde mais carregados, muito a gosto do que convém num enredo desse jaez. Além, por óbvio, das sequências de enfrentamento físico, trechos em que os soldados de Žižka partem para cima de seus rivais em cenas sem economia de lutas exaustivamente coreografias e sangue, muito sangue.

Típico filme de ator, quem leva mesmo a trama nas costas é, como não poderia de ser, Ben Foster, que tira leite de pedra e dá a Jan Žižka toda a humanidade que consegue, malgrado tenha de se valer de um texto tão raso. Neste departamento, o miserável desperdício de Michael Caine como um Lord Boreš que implora para aparecer e se fazer notar, é um crime. Pensando bem, ele nem faria tanta diferença assim.


Filme: Medieval
Direção: Petr Jákl
Ano: 2022
Gêneros: História/Drama/Ação
Nota: 7/10