Filme alucinante com Denzel Washington e Mark Wahlberg, na Netflix, fará seu coração sair pela boca Divulgação / Universal Pictures

Filme alucinante com Denzel Washington e Mark Wahlberg, na Netflix, fará seu coração sair pela boca

Subversões e vícios se apresentam para o homem com toda a naturalidade, como se fossem amigos de longa data, o que, lamentavelmente, é verdade. Inventamos jeitos novos de nos relacionarmos com o mundo — e em muitas ocasiões nem isso: apenas readaptamos velhas práticas, ou porque o tempo nos oprime ou devido à velocidade com que tudo ao nosso redor teima em sempre mudar. Lançamo-nos no precipício cada vez mais fundo da maldade, esperando com isso achar uma saída para nossas eternas necessidades, sem conseguir enxergar o óbvio. O bem não pode brotar da perversidade, da mesma forma que do pântano não se colhem flores. Engano, medos, degeneração, eis os frutos das terras mais áridas que o homem insiste em cultivar, e se aí morasse o maior dos seus erros, tanto melhor; a grande questão é que, à medida que se acostumam com a autodestruição e o opróbrio, os indivíduos arrastam consigo uma verdadeira legião, processo tão lento quanto doloroso, até que não reste nada mais. E também já não possa se salvar.

Modelos de comportamento deturpados na origem, sem chance de retorno ou margem para experiências que justifiquem viver, têm parte na vida do homem desde o princípio dos tempos. Também por essa razão, já na Antiguidade, povos do mundo todo se imbuíram da tarefa de fomentar dispositivos legais capazes de refrear as tantas vontades de seus cidadãos, por mais legítimas que parecessem e malgrado não se contasse até então com as ideias perfeitamente acabadas de lei, justiça, Constituição, que pautam a jornada cívica das mulheres e homens pós-modernos. Assim mesmo, dispositivos voltados a conter os ímpetos tortos dos mais exaltados e fazer com que a autoridade dos mais fortes valesse de fato tornaram-se essenciais. Essa é uma definição um tanto básica da polícia, ajuntamento de tropas que se prontificam a combater os excessos, averiguar irregularidades, vigiar aqueles que lhe parecem suspeitos, puni-los com o rigor devido. Contudo, uma questão elementar foi tomando corpo: o que fazer nas situações em que a polícia se esquece de sua importância para a sociedade, comete graves deslizes e se desvirtua? “Dose Dupla” (2013), o thriller do islandês Baltasar Kormákur, se desenrola a partir desse eixo, mas elabora discussões muito mais profundas, como a promiscuidade das relações entre a polícia, base das democracias no mundo civilizado, e o lado sombrio da força, cada vez mais insinuante.

O roteiro de Blake Masters trata de deixar imediatamente explícito que essa é uma história sem mocinhos. DEA, a autarquia responsável por mapear as rotas do tráfico, a CIA, o alto comando de inteligência policial americano, e a própria Marinha dos Estados Unidos, lambuzam-se gostosamente no mel grosso da corrupção, e aos poucos manter as aparências também vai deixando de ser uma providência a ser observada. Masters opta por renunciar à sutileza e estampa a podridão do dito sistema na performance irrepreensível de Denzel Washington. Paramentado com dentes de ouro postiços, chapéus Panamá e camisas espalhafatosas, o agente Robert Trench, o Bobby Conheço um Cara, faz seu pé-de-meia extorquindo pequenos traficantes e intermediando grandes negócios com tubarões de um dos maiores cartéis de drogas do México, entre eles Papi Greco, do carismático Edward James Olmos. Ainda na abertura, Bobby é visto tramar um assalto mirabolante ao banco de uma cidadezinha do Meio-oeste, onde Papi Greco guardaria uma fortuna (!) de exatos 43,125 milhões de dólares (!!) — Kormákur tem verdadeira fixação por esse número, e faz questão de que seus personagens o repitam ad nauseam. Para levar a empreitada a termo, junta-se a ele Stig, o ex-fuzileiro naval banido por mau comportamento de Mark Wahlberg. O diretor aproveita os bem-escritos diálogos para abusar da parceria Washington-Wahlberg, que merece a alusão feita no título. Aos dois, também se achega Deb, a bela agente da DEA interpretada por Paula Patton, que se derrete por Bobby, mas é desprezada por ele e, talvez por isso, não se furta em lhe preparar uma das grandes ciladas de sua vida dupla.

A forma como Kormákur encaminha a história, guardando a reviravolta para os últimos momentos, é, sem dúvida, a cereja desse bolo. Roubar faz parte da natureza humana, como diz Papi Greco numa das primeiras cenas, e ladrões somos todos, não só americanos (ou brasileiros). Casualmente, a história se passa nos Estados Unidos, berço da noção de prosperidade sobre a qual “Dose Dupla” faz pesar uma montanha de dólares imundos. Mas a pergunta que vale ainda mais que todos eles é: quem seria louco o bastante de os rejeitar?


Filme: Dose Dupla
Direção: Baltasar Kormákur
Ano: 2013
Gêneros: Ação/Crime
Nota: 8/10