Novo filme da Netflix vai te fazer perder a respiração e se contorcer na ponta do sofá Divulgação / Netflix

Novo filme da Netflix vai te fazer perder a respiração e se contorcer na ponta do sofá

Relações promíscuas entre políticos e servidores públicos sempre foram a tônica de quase todos os governos ao redor do mundo, a despeito da época que se deseje analisar. Em excetuando-se a mistificação acerca de organismos integralmente honestos, administrados por gestores incorruptíveis, o que fica é a necessidade de manter constante a fiscalização sobre todos os que lidam com a coisa pública, levando-se em conta que, por melhores que sejam as intenções, a carne continua fraca como desde o princípio dos tempos. Gente que corrompe gente que se deixa corromper sempre existiu, mesmo nas democracias mais civilizadas ao longo da história da humanidade; o que não se pode admitir é que os mecanismos de controle de atividades relacionadas à preservação das instituições e do próprio Estado democrático de direito sejam minados por expedientes que dizem apenas visar à prerrogativa constitucional da ampla defesa, mas que servem mesmo é para perpetuar iniquidades, atendendo aos interesses de fatias muito específicas de uma elite raivosa, cada vez mais encurralada pelo clamor indignado do povo.

A tentativa de se estabelecer alguma ordem que reja o caos da natureza humana, que por sua vez apenas reflete a biologia — indisciplinada, selvagem, caótica —, é a função precípua do expediente político, sem o qual os indivíduos já teriam regredido novamente à barbárie da Idade Média (476-1453) ou ainda à violência cândida da Idade da Pedra, em que o homem matava para defender-se dos inimigos que ameaçavam seu território, a pureza de suas mulheres ou o desenvolvimento de sua prole, e tão cômodo se encontrava em tal cenário que nele permaneceu por quase três milhões de anos. Aceitar o outro não como o concebemos, mas da forma que ele é de fato, almejando intimamente que se arrependa de suas faltas e mude, de postura, de comportamento, mude sua forma de ver a vida, mude de vida, enfim, enquanto nos policiamos a fim de não nos tornarmos ranzinzas, preconceituosos, intolerantes, é uma tarefa inglória, mas que pode ser também muito reconfortante.

O thriller “Código: Imperador” (2022), do espanhol Jorge Coira, vai deslizando pela urgência do tema até alcançar o refinamento que eleva a questão a outro nível: o que argumenta que o sistema é apodrecido por natureza e que foi pensado para ser assim, cheio de homens dispostos a torcer a lei até que ela se adeque a seus ímpetos criminosos. Coira centra seu filme em fatos vistos à farta no cotidiano de quem serve ao Estado, do contínuo mais humilde ao assessor direto do presidente da República: gravações secretas que, por razões um tanto obscuras, ameaçam vir à baila, chantagens envolvendo filhas de atores em situações nada honrosas com traficantes, conchavos que nascem das alcovas, negociações espúrias que ditam os rumos de um país, tudo embalado pelo suspense que o diretor conduz de modo seguro, mas sem paranoia, deixando aos atores boa margem para colaborações. O roteiro de Jorge Guerricaechevarría trata cada clichê de que lança mão do jeito mais respeitável, o que significa também não abusar da paciência da plateia.

Juan, o protagonista de um Luis Tosar preciso, é o espião em que Guerricaechevarría deposita sua ideia de anti-herói, muito bem aproveitada por Coira. Seu ofício exige que ele passe grande parte de seu tempo acompanhando as intenções de criminosos de grosso calibre a distância, o que inclui antever os planos macabros de terroristas, mas sem descuidar de responder ao comando de um grupo secreto, que fomenta atividades extralegais do interesse dos poderosos de turno. O personagem de Tosar está longe de ser um tipo abnegado: recebe um salário compatível com suas funções no serviço público, mas se locupleta das vantagens que seus amigos mafiosos lhe oferecem. Segue suas ordens à risca, até que, como sói acontecer nessas histórias, algo em seu espírito se parte e as crises de consciência que passam a acompanhá-lo têm o condão de fazê-lo um forte candidato à ruína. Como também é usual nessas circunstâncias, o surgimento de uma mocinha atormentada o bastante para inspirar tantas mudanças — a bela Wendy, de Alexandra Masangkay — é a faca com que trucida seus inimigos, mas que acaba por feri-lo também.

Coira faz o filme vibrar nessas duas frequências, hábil em encaminhar a audiência para um ou outro lado. “Código: Imperador” oscila de intensidade, mas funciona tanto como trama de espionagem e história de um amor frustrado, em que ninguém está disposto a renunciar a sua falsa condição de rei.


Filme: Código: Imperador
Direção: Jorge Coira
Ano: 2022
Gêneros: Suspense/Espionagem
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.