Velhinhos aficionados por cinema, o seu tanto rabugentos e completamente avessos a qualquer aproximação, reunidos para avaliar os filmes lançados durante os últimos doze meses. Quem poderia afirmar que isso daria em alguma coisa? Pois deu — e como deu! Passado quase um século, o Oscar reina absoluto quando o assunto são cerimônias de entrega de prêmios, monopolizando as atenções da imprensa e do público desde muito antes de sua exibição e repercutindo bastante mesmo depois da poeira assentada. A Academia nunca foi unanimidade quanto à escolha dos títulos indicados e quando aquele ator que todo mundo esperava levar a estatueta dourada fica chupando dedo, a grita é geral. A Bula escolheu três filmes que levaram o caneco mais cobiçado do cinema. Os títulos, todos disponíveis no Amazon Prime Video, respeitam apenas o critério da ordem contracronológica e vêm do lançado há menos tempo para o mais antigo.
Livremente adaptado do francês “A Família Bélier” (2014), dirigido por Eric Lartigau, “No Ritmo do Coração” igualmente partilha de outras produções que registraram a surdez como impedimento, em maior ou menor nível, quanto a se obter um cenário harmonioso, ou sua aparição repentina sob a forma de um desafio quase inexpugnável, e tanto pior quando se depende da audição perfeita para se ganhar a vida. “O Som do Silêncio” (2020), de Darius Marder, toca o assunto de maneira surpreendentemente madura, concisa, até científica em boa proporção, ao expor a agonia de Ruben Stone, o baterista vivido por Riz Ahmed que fica progressivamente surdo devido às descargas excessivas e constantes de ruído com que o trabalho o obriga a lidar todos os dias. Como se vê, definitivamente o argumento defendido no roteiro da própria diretora não é nenhum portento à genialidade, mas “No Ritmo do Coração” tem seus pulos do gato, e o maior deles quem dá é o elenco. Se em “A Família Bélier” quase todos os atores são ouvintes — e “O Som do Silêncio” nem pode fazer parte dessa equação, uma vez que a deficiência do protagonista é adquirida e, portanto, só se manifesta a dada altura da história —, à exceção de Luca Gelberg, no filme de Heder acontece o inverso: Jones é a única não surda numa equipe invulgar, que reúne Marlee Matlin, ganhadora do Oscar por “Filhos do Silêncio” (1986), levado à tela por Randa Haines, Troy Kotsur e Daniel Durant, que, mesmo sem usufruir do mesmo prestígio profissional de Matlin, mostram a que vieram e entregam um desempenho cujo realismo impressiona.
Um professor de história encontra-se deprimido, passando por uma crise de meia-idade. Para animá-lo, seus amigos o convidam a seguir a teoria controversa de um psiquiatra: segundo esse médico, um acréscimo de 0,05% de álcool no sangue seria o segredo para uma vida feliz. Os amigos começam a ficar um pouco bêbados todos os dias e realmente se sentem mais alegres e produtivos. Mas, com o passar do tempo, percebem que o álcool não é a verdadeira solução de seus problemas.
O choque entre dois mundos, gerando um universo novo. Esse poderia ser o resumo de “Green Book: O Guia”, do diretor Peter Farrelly. Na Nova Iorque dos anos 1960, Tony Vallelonga é segurança do célebre dancing Copacabana, conhecido de “Os Bons Companheiros”. Tony Lip, o bom de lábia, como o chamam os muitos amigos, consegue tudo o que quer com uma conversa, mas sabe usar a força bruta direitinho se necessário. Como o Copacabana vai ficar um tempo fechado e Tony, chefe de uma família numerosa, não pode se dar ao luxo de ficar sem trabalho, aceita servir de chofer e guarda-costas para o refinado Don Shirley, talentoso pianista negro que se prepara para uma turnê no sul dos Estados Unidos. As “habilidades” de Tony serão de grande valia para Shirley, já que ainda vige a política de segregação racial que determina o que cidadãos negros podem ou não fazer e onde devem se hospedar em viagem ao sul, tudo publicado num guia de capa verde. Conforme se conhecem um ao outro, vão se estranhando, mas vão também reconhecendo afinidades. A exemplo de Shirley, Tony não pode se definir como um americano típico, já que é ítalo-descendente e católico; o músico, por sua vez, enxerga no empregado um homem digno, que como ele não tem medo de trabalho e que constituiu uma família unida, feito cujo valor o solitário pianista reconhece. Todo o enredo é costurado por essas passagens, ora sob o ponto de vista do segurança, ora priorizando as opiniões — e preconceitos — de Shirley, que vai se tornando cada vez mais tolerante com Tony à medida que identifica suas próprias fraquezas.