Herança de Sangue, de Ivan Sant’anna, um relato de luta, crimes, ódios e paixões

Herança de Sangue, de Ivan Sant’anna, um relato de luta, crimes, ódios e paixões

Em 1985, o escritor norte-americano Cormac McCarthy, lançou aquela que é considerada até hoje sua obra prima: “Meridiano de Sangue”. Um livro fortemente baseado em fatos, faz um retrato brutal e extremamente violento do meio oeste americano, nos meados do Século 19, de um Texas em ebulição. É um mote recorrente: no cinema, através de vários faroestes — um aportuguesamento de Far-West, pelo qual era denominada a aquela região do continente norte-americano, na época em que os Estados Unidos expandia seus domínios para o Pacífico, ou seja, tudo depois do Mississipi era terra de ninguém — criou-se toda uma mitologia baseada em fatos que aconteceram durante o período. Até quem não tem muito apreço pelas fitas de cowboy sabe ao menos nomes como Billy the Kid, Buffalo Bill ou Jesse James, tal foi o impacto que essa época causou no imaginário americano e mundial, por conseguinte.

Herança de Sangue, Um Faroeste Brasileiro, de Ivan Sant’Anna (Companhia das Letras, 200 páginas)

Trazendo essa narrativa para o Brasil, o autor Ivan Sant’anna, também baseando-se em fatos acontecidos na cidade de Catalão, no sul de Goiás — lugar que já foi considerado a cidade mais violenta de todo o país — fez o registro deste recorte geográfico e temporal em “Herança de Sange — Um Faroeste Brasileiro”. É claro que a violência nacional não ficava restrita ao local: nossa história, infelizmente, é rica em relatos de crimes, mortes e arroubos mais, entretanto, a epopeia catalana com a brutalidade remonta aos primórdios do lugar, nos idos de 1700, ainda nos tempos dos bandeirantes, quando Bratolomeu Bueno, o filho, mandou fazer ali um pouso para suas tropas. De lá até a primeira metade do Séc. 20, aconteceram ali — conforme o autor — “um relato de lutas, crimes, de ódios, de paixões, de selvagerias e crueldades, com pouco espaço para o amor”.

Há casos como o assassinato de um senador da república no meio da rua, em plena luz do dia, ou o ataque de vários moradores da cidade contra os trabalhadores da ferrovia, por conta do assassinato de uma prostituta, promovido por um dos ferroviários. No código de honra do lugar, uma disputa, seja na bala ou na faca, tinha necessariamente que terminar com ao menos um pouco de sangue, pois segundo eles, em Catalão, “ficaria até feio, tanto tiro e nenhum morto”.

Aliás, grande parte da violência praticada em Catalão tinha muito a ver com contendas políticas, o que nos demonstra que nossa política sempre foi um prato cheio para escaramuças: antes das redes sociais, os ataques eram à bala, não virtuais.

Com uma prosa limpa e gostosa de ler, o autor nos passa essas histórias — muitas delas ouvidas por ele ainda criança, quando residiu na cidade e ainda havia alguns remanescentes de vários dos fatos retratados no livro — que resgatam um passado marcado pela brutalidade e violência, um retrato sem retoques de como se formou esta parte do país.