Ruptura é uma série de televisão transmitida no Brasil pela Apple TV, criada por Dan Erickson e dirigida por Ben Stiller e Aoife McArdle. Apesar da direção do comediante, a produção tem pouquíssimos alívios cômicos e absolutamente nada de leve ou bobo. Na realidade, é uma das séries de televisão mais brilhantes dos últimos tempos e traz muitas reflexões sobre o modo de vida (ou de trabalho) capitalista no mundo atual.
A história se passa, primordialmente, dentro de uma misteriosa empresa, chamada Lumon Industries, que realiza um procedimento cirúrgico no cérebro de seus funcionários para desassociar suas vidas pessoais da profissional. O “eu interno”, que seria o profissional, não consegue se recordar de absolutamente nada sobre sua família, seus problemas pessoais, as angústias, ansiedades ou motivações de vida. Da mesma maneira, o “eu externo”, que vive de fora, não se lembra do que faz enquanto trabalha.
Muita gente fantasia com esse tipo de coisa. Não lembrar do trabalho quando está em casa, com a família, para alguns é um sonho. Significa não se preocupar ou não se estressar com as coisas relacionadas ao profissional durante seus momentos livres. Mas em “Ruptura”, a coisa é bem diferente e assustadora. A série nunca deixa claro, realmente, o que é que a empresa faz. Apesar de ser do ramo farmacêutico, há uma atmosfera de seita no ar. O fundador, Kier Eagon, é quase uma entidade espiritual, adorada pelos trabalhadores mais fervorosos. E sabemos que as consequências dessa ruptura, ao menos para o ex-funcionário Petey (Yul Vazquez), são fatais.
Esteticamente, “Ruptura” nos confunde. A série se passa nos dias atuais, mas também há uma sensação de “Guerra Fria” no ar. Os computadores da Lumon são do estilo caixote. As roupas dos funcionários da empresa nos lembram modelos dos anos 1970. Há um design minimalista, simétrico e conceitual dos anos 1960 e as cores azul e vermelho, bem ao estilo vintage, são usadas para nos remeter à dualidade. Já do lado de fora da empresa, somos transportados de volta aos anos 2020, onde as pessoas usam cores neutras, smartphones e aplicativos.
Seguimos Mark (Adam Scott), o chefe do departamento de Refinamento de Microdados da Lumon, seja lá o que isso quer dizer, e seus três colegas de trabalho, Irving (John Turturro), Dylan (Zach Cherry) e Helly R. (Britt Lower). Mark é um ex-professor de história que perdeu a esposa e, para lidar com o luto, aceita o trabalho na empresa justamente para poder se desconectar de suas memórias dolorosas por algumas horas. Mas tudo começa a desandar quando a novata, Helly R., é contratada, passa pela ruptura, mas se arrepende. A funcionária rebelde passa, a todo momento, tentar escapar durante o expediente, se demitir ou explorar os outros departamentos (o que é proibido), gerando mal-estar entre os colegas, que aos poucos começam a se incomodar também com a situação em que vivem na empresa.
Eles são liderados por Harmony (Patricia Arquette) e seu fiel escudeiro, o senhor Milchick (Tramel Tillman), e vigiados pelo chefe da segurança, o senhor Graner (Michael Cumpsty). Aos poucos, todo o departamento de Refinamento de Microdados começa a explorar outros setores da empresa e a perceber que nada exatamente tem nexo e que tudo parece obscuro e sinistro demais.
Algo como um roteiro de Charlie Kaufman, que nos faz confundir realidade e imaginação e ser torturados psicologicamente, “Ruptura” surge como um programa de televisão único e excêntrico, mas relevante para os dias atuais. O quanto oferecemos de nossas vidas aos nossos empregos? O que as grandes empresas são capazes de fazer para conseguir controlar o comportamento, os resultados, a eficiência e a lealdade de seus funcionários? Qual o limite da relação entre empregador e empregado no modelo capitalista de agora?