This Is Us: a exigência de pensar o tempo que vivemos Ron Batzdorff / NBC

This Is Us: a exigência de pensar o tempo que vivemos

Desde a Grécia antiga, o drama de uma família alimenta as melhores histórias de ficção. O mundo pode mudar, porém sempre haverá o escritor, o dramaturgo ou o diretor de cinema para explorar as relações de pais, filhos e afins. O escritor russo Liev Tolstói abriu o romance “Ana Karenina” com a célebre sentença: “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”. Laços familiares são a matéria para captar o lado mais profundo de indivíduos e grupos sociais.

O caso mais recente é a série de televisão “This Is Us”, criada em 2016 e que chegou à sexta e última temporada em maio de 2022. A repercussão nos Estados Unidos foi enorme, colocando a história singela da família Pearson no rol das grandes séries como “Família Soprano”, “Mad Men” e “Breaking Bad. Uma das novidades está na fuga do tema contemporâneo da violência, da competição e do mercado destruidor. No Brasil, os episódios estão disponíveis nas plataformas Star+ e Prime Video.

Uma história simples de contar e que se desdobrou em fios intermináveis, buscando uma sofisticação que tem caracterizado boa parte das séries de televisão nos últimos anos. O estopim de tudo em “This Is Us” é o dia em que o personagem Randall (filho adotivo), quase chegando aos 40 anos de idade, começa a procurar quem são os seus verdadeiros pais. Ele foi o bebê negro adotado por um casal branco (Jack e Rebecca) que acabara de perder um dos seus trigêmeos no nascimento.

Uma busca aparentemente corriqueira desenrola um novelo de histórias sem fim. O maior achado é a forma de contar essa trama de uma pessoa buscando suas origens, algo que se vê desde a tragédia grega — o mito do Édipo carrega essa vontade incontrolável de conhecer. Don Fogelman, criador da série, alterna seguidamente as situações do presente, passado e até do futuro (quando os personagens estão mais velhos). Um acontecimento importante surge, de repente, no futuro e deixa o espectador em suspense.

O tempo simultâneo constrói também um painel de fundo com os acontecimentos nos Estados Unidos e no mundo a partir de 1979 (ano de nascimento dos três irmãos Randall, Kevin e Kate). Na quinta temporada, lançada em 2020, os episódios trouxeram a situação da pandemia do coronavírus. A sexta e última amarra os vários fios abertos ao longo do labirinto da história e, mais importante, sinaliza para a necessidade de empatia e de menos violência nas relações humanas.

Os dramas familiares sempre remetem aos conflitos, às brigas, às reconciliações — muito presentes até a quarta temporada. Mas, em sintonia com os tempos de luto e medo atuais, os episódios finais de “This Is Us” ofereceram a hospitalidade, a magia dos nascimentos dos filhos dos trigêmeos quarentões, a esperança e o conforto. Sobretudo trouxe o limiar da morte, a preparação para o fim de uma pessoa — no caso a mãe dos trigêmeos, Rebecca, numa interpretação espetacular da atriz Mandy Moore da juventude à velhice.

E a mera coincidência foi o lançamento do disco novo do grupo Arcade Fire, intitulado “We”, que casa com o “us” da série de Don Fogelman. A banda canadense criou uma atmosfera, um som para sentir e refletir à base de vários instrumentos de corda. Nada de sair por aí dançando, mas sim pensar o tempo vivido. A música-título “We” termina assim: “Quando tudo acabar/ Podemos fazer isso de novo?/ Quando tudo acabar/ Quer fazer isso de novo?”. Poderia ser a trilha sonora de “This Is Us”.