Misturar amizade e negócios nunca fez bem, nem àquela nem a estes. Como é impossível ao homem ter tudo, ao se imaginar que se pode levar adiante um relacionamento afetivo aproveitando-se da força desse vínculo para perceber alguma vantagem financeira, tudo o que se consegue é um dinheiro fácil, mas que se esvai com a mesma rapidez com que chegou, e o desgaste evitável e possivelmente definitivo, entre pessoas que, até não muito tempo atrás, queriam-se bem. Esse é um bom ponto de partida a fim de se entender o argumento de Roger Gual em “7 Anos” (2016), um bem elaborado jogo de pistas e hipóteses em que o espectador se vê completamente enredado conforme a história, rocambolesca, se deslinda. Mérito do diretor ou dos roteiristas Jose Cabeza e Julia Fontana, o mote do filme é assimilado pelo público com a naturalidade de quem tem a certeza de que não se pode ter tudo. Ou seja, todos nós alguma vez já fomos obrigados a dar resposta ao dilema apresentado pela trama, ainda que não fôssemos ficar milionários e tampouco nos espreitasse o risco de alguma desdita.
Sócios, a pragmática Vero, interpretada por Juana Acosta; Marcel, o típico homem de negócios que nunca se ofende vivido por Alex Brendemühl; o cínico Carlos, de Juan Pablo Raba; e Luis, sujeito autodestrutivamente passional, uma composição precisa e comovente de Paco León, são confrontados com a chance de apenas um deles responder à justiça pelas delinquências do grupo, quase todas ligadas à sonegação de impostos por meio da manutenção de uma conta no exterior. A artimanha é bem-sucedida por algum tempo, porém o esquema, claro, é desbaratado pelo Fisco espanhol. Mediante um estratagema bem engendrado, os quatro descobrem que apenas um deles pode ser formalmente responsabilizado, graças a um software que permite que a senha do titular da conta valha por somente cinco minutos. A partir de então, tudo de que precisam é sangue frio, a fim de concluir a quem caberá o papel de mártir, o membro da quadrilha nobre e inútil o bastante para se sacrificar pelos demais. Decisão salomônica, impossível de agradar a todos, apontar o nome do colega capaz de amargar o tempo de cadeia a que o título faz referência mantendo-se razoavelmente íntegro emula o provável castigo em si. Não há maior tormento que dispor da vida de alguém.
O quarteto até pode ter suas reservas quanto à ética, mas têm o condão de deliberar sobre questões tão complexas com todo o senso prático que define tão bem a personagem de Acosta. Vero é das mais empolgadas quanto a resolver o imbróglio em que se metera, desde que não seja ela a pagar o pato, naturalmente. Os outros três concordam que a melhor providência a ser tomada é admitir que lidar com o peso dessa escolha, no fundo, os aniquila. Para não acusarem o golpe — ou se precaverem de emoções mais pungentes —, entra em cena Jose Veiga, o mediador profissional que vai orientá-los no momento mais repleto de tensão de suas vidas. Como um fauno, o personagem de Manuel Morón se presta a uma figura que, por mais benfazeja que se pretenda, traz em sua essência o signo da desgraça, uma vez que os rememora do desafio a ser vencido, e parece desfrutar de algum gozo maldito com essa sua condição. É ele quem condiciona Vero, Marcel, Carlos e Luís a buscar nos lugares mais fundos e escuros de suas almas o que poderia servir de justificativa para a ruína de uma pessoa de cuja convivência privam há tanto tempo. Dispostos a fazer com que o dinheiro empregado na contratação do coach, os protagonistas arrancam de dentro de si rancores, acusações e segredos, até que o clima degringole em mal-estar e mesmo em violência. A amizade que poderiam ter tido vira um eterno remexer de mágoas e a admiração que nutriam um pelo outro acaba sendo colocada em xeque a partir do momento em que precisam discutir a relevância de cada um na empresa.
O filme acerta mais do que erra, mas erra. Fica sem explicação o fato da duração tão curta, pouco menos de oitenta minutos, mas o que incomoda mesmo é a solução um tanto ligeira por que opta Roger Gual, tirando da cartola o recurso fácil do deus ex machina e interferindo no desfecho sem falsos pruridos. A sequência de encerramento engloba clichês mais ou menos exasperantes, que comprometem em alguma dose o bom desempenho do elenco, composto por expoentes do cinema espanhol contemporâneo. Gual pode ter havido por bem suavizar o impacto dos desdobramentos das decisões que seus personagens vinham construindo, quiçá fortalecendo o melodrama imanente da história; contudo, fica um certo travo na boca e um nó na garganta considerável quando se pensa onde “7 Anos” poderia ter chegado. Sob esse ponto de vista, o final repentino até que nem é tão ruim quanto parece.
Filme: 7 Anos
Direção: Roger Gual
Ano: 2016
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 8/10