Leiam Philip Roth, J. M. Coetzee e Michel Houellebecq antes que queimem seus livros Volodymyr Muliar / Dreamstime

Leiam Philip Roth, J. M. Coetzee e Michel Houellebecq antes que queimem seus livros

O que os escritores Philip Roth, J. M. Coetzee e Michel Houellebecq possuem em comum? Um americano, um sul-africano e um francês. Talvez muito, talvez pouco, mas uma coisa é certa: os três desnudaram a decadência do Ocidente em seus livros. Particularmente nos romances “Partículas Elementares”, que Houellebecq publicou em 1998, “Desonra”, que Coetzee publicou em 1999, e “A Marca Humana”, que Roth publicou em 2000.

No vídeo linkado, que direciona para o canal no Youtube da Revista Bula, mostramos como esses três livros dialogam em seus temas e enredos. Mostra como a hipocrisia do politicamente correto está minando a experiência democrática ocidental, destruindo-a por dentro. Processo perigoso que pode, inclusive, gerar o “cancelamento” de figuras que ousam denunciá-lo. Já vimos que jornadas assim nunca terminam bem, e quase sempre levam para o pior dos cenários: a censura e até queima de livros.

O debate sobre a decadência do Ocidente não é novo, mas sempre esbarra em preconceitos, simplificações e proselitismos. É o caso do livro “A Ilusão Neoliberal”, do francês René Passet, publicado no Brasil pela editora Record. O autor é um altamente gabaritado professor da Universidade Paris 1 — Panthéon-Sorbonne, especialista em economia. O tipo de pessoa de quem se deve ouvir as opiniões com toda atenção. Mesmo que seja para discordar. E nem sempre o bom senso permite concordar com ele. Senão vejamos: para quem não se lembra René Passet é aquele intelectual que propõe a criação de um imposto mundial sobre as rendas superiores para subsidiar um pagamento extra as rendas inferiores, elevando-as ao que ele chama de um nível mínimo de cidadania. Como se vê, uma utopia tola e inaplicável. O tipo de demagogia fácil feita para render curtidas em redes sociais. Contudo, apesar de surtos como este, René Passet não é ingênuo, tampouco mal-intencionado, muito pelo contrário: é um humanista radical, no melhor sentido da palavra, preocupado com os rumos que nossa raça suicida anda tomando. Contudo, ao mesmo tempo, curiosamente, ele parece estar combatendo a essência do mundo que afirma defender. Neste sentido, ler seu livro pode ajudar equalizar alguns dos debates levantados por Philip Roth, J. M. Coetzee e Michel Houellebecq.

Em “A Ilusão Neoliberal”, afora estas mirabolantes propostas de solução, o controvertido autor, a partir de uma análise erudita do onipresente fenômeno neoliberal, propõe o combate generalizado a este, segundo ele, terrível sistema econômico excludente que se expande cada vez mais. “A Ilusão Neoliberal” é uma obra xiita. Não admite meio termo. René Passet faz guerrilha apaixonada com as palavras. O que algumas vezes, temos que admitir, prejudica o senso crítico do autor com relação a seu incorrigivelmente antipático objeto. Não são poucas às vezes em que ele trata o neoliberalismo como se fosse uma espécie de essência do mal. O que tende a incomodar o leitor mais racional, porém, a não ser que tal leitor seja um rico capitalista, gordo e cruel, ou um legitimo pequeno burguês iludido e decadente, é impossível não nutrir certa simpatia com tal radicalismo kitsch. Mesmo que seja só para ver o circo pegar fogo.

O livro é aberto com a messiânica observação de que “um mundo morre, outro faz força para nascer”, levando-nos a pensar imediatamente na máxima marxista de que o capitalismo traz em si o gérmen de sua própria destruição. Essa troca de aguarda de visões de mundo está no centro das preocupações de Philip Roth, J. M. Coetzee e Michel Houellebecq. Da mesma forma que Passet, os três escritores não são condescendentes com o que testemunham, mas possuem perspectivas muito diferentes.