Sobre Copa América, política e nazismo

Sobre Copa América, política e nazismo

14 de maio de 1938. Equinócio de primavera no hemisfério norte, em um mundo pré-guerra com desconfianças em todos os movimentos dos países europeus. Nesse contexto, um amistoso iria servir como baluarte premonitório sobre o que viria a acontecer no futuro: de um lado, a Seleção da Alemanha Nazista. De outro, a Seleção da Inglaterra. O palco era o estádio Olímpico de Berlim — completamente lotado. O jogo terminou com um sonoro seis tentos a três para os ingleses. Antes do início, todavia, uma das cenas mais vergonhosas da história do futebol inglês: a mando do embaixador do país, os jogadores fizeram a famigerada saudação de mãos em riste em direção às arquibancadas. Uma deferência questionável. Tanto quanto lamentável.

A mistura entre futebol e política desperta cizânias inenarráveis. A título de exemplo, poder-se-ia citar a mágica democracia corintiana, que inegavelmente contribuiu sobremaneira para a conscientização da classe futebolística nacional. Houve quem enxergasse no movimento um oportunismo político com um viés duvidoso; poucos, mas houve. Por outro lado, no auge de uma crise do governo brasileiro em 1999, o então jogador Romário fez um gol e levantou a camisa com os dizeres: “FHC: eu e muitos estamos com você”. O ato levou o presidente do Flamengo a ter que ir à CBF se explicar pessoalmente pela suposta propaganda política — em um Brasil ainda com uma polarização incipiente, mas já existente.

Se os times já despertam grandes paixões, quem dirá a Seleção Brasileira. Pentacampeã mundial, é consagrada como a esquadra mais admirada do globo terrestre, mesmo passando por um desagradável período de entressafra de conquistas relevantes.

Com as redes sociais integrando cada dia mais jogadores e torcedores, a relação de distância anterior acabou dando lugar a uma proximidade aparente que realça o poder de influência daqueles para com estes; e isso, por óbvio, implica numa maior atenção a questões políticas e opiniões sensíveis.

Pois bem. Com a pandemia que assola a sociedade contemporânea e ainda não indica o seu fim, e também com as tensões políticas afloradas no país pós-2018, o clima belicoso chegou à Seleção Canarinho. Isso porque alguns jogadores e o técnico Tite indicaram a probabilidade de não disputar a Copa América no país por razões óbvias: há quase 500 mil mortos vítimas de um vírus que ainda permanece circulando. É preciso lembrar que o torneio teria pela primeira vez uma sede dupla. Porém, a Colômbia desistiu da empreitada por tensões sociais e a Argentina, em decorrência do coronavírus. O governo brasileiro e a CBF entendem, portanto, que aqui não há insalubridade suficiente para afastar e se ofereceu para sediar o evento. A equipe comandada por Tite, contudo, parece disso divergir, a tirar pelas palavras do capitão Casemiro ao final do jogo contra o Equador.

Note-se: a decisão, longe de ser política, é sanitária e de boa prudência. Não seria o caso de apoio a esse ou àquele prisma político; é, antes, um alento à saúde pública e um aceno ao luto que meio milhão de famílias enfrentam. Entretanto, como tudo hoje no país, o possível boicote é encarado pelos extremistas como uma afronta à soberania e um atentado aos ditames anticiência vigentes. Certamente, Sócrates, um dos grandes pensadores das quatro linhas e agente da democracia alvinegra, deve estar bastante orgulhoso desse flerte de preocupação social do manto verde e amarelo que tanto honrou. Um movimento contrastante à lamentável cena de 1938 de Berlim. Um orgulho, enfim.