Com quase 70% dos desempregados negros, falar em racismo reverso do Magazine Luiza não é apenas hipocrisia, é burrice

Com quase 70% dos desempregados negros, falar em racismo reverso do Magazine Luiza não é apenas hipocrisia, é burrice

Pela primeira vez na história, um gigante do ramo varejista, o Magazine Luiza, abriu um processo seletivo exclusivamente para negros. O intuito é reestruturar o cenário diretivo, tendo em vista que seus quadros contam com 53% de funcionário pretos e pardos, mas apenas 16% deles ocupam cargos de liderança. O debate sobre o racismo, principalmente o estrutural, ainda gera fervores no que tange a atitudes reparatórias e inclusivas. Por essa razão, surgiram críticas no sentido de a empresa promover um “racismo reverso” e de segregar outras raças com a sua atitude. Essa espécie de insurgência apenas demonstra que o Brasil vir a se tornar uma democracia racial não passa de mera utopia. E também que tentar reparar as sequelas de séculos de racismo, por aqui, ainda incomoda muito.

Um país com plena igualdade para pessoas, independente da sua condição, gênero ou cor, parece um sonho distante em qualquer lugar do planeta. No Brasil, onde a abolição da escravatura foi das mais tardias do continente, essa tentativa parece ser ainda mais complexa e distante. A marginalização do povo negro, imposta de cima para baixo, vem desde os primórdios da Lei Áurea e segue firme e sem maiores abalos, ainda que muitos neguem haver por essas terras as evidentes condições de segregação racial. Porém, uma simples análise sobre os programas de trainee das grandes empresas do país nas últimas décadas é condição suficiente para se notar que a prevalência de pessoas brancas nos cargos diretivos parece ser uma regra geral. Tentar inverter esse padrão excludente, por essa razão, é uma verdadeira promoção de igualdade.

Essa não é a primeira vez que a histeria sobre assuntos como esse ocorre e nem vai ser a última. A implementação de cotas raciais em seleções, vestibulares e concursos públicos instaurou, à época, debates intensos sobre as questões relativas à meritocracia, ao princípio da igualdade constitucional e ao famigerado “racismo reverso”. Nada diferente do que costuma ocorrer quando se tenta alterar estruturas solidificadas de perpetuação do racismo, e exemplos históricos não faltam. Agora, essas mesmas vozes afirmam que bastaria alterar a contratação exclusiva de “negros” para “brancos” para provar que existe um crime de racismo cometido pela empresa. Contudo, essas pessoas parecem ignorar a realidade à sua volta, onde negros representam quase 70% do total de desempregados e recebem quase metade dos salários dos brancos, além de serem uma minoria ínfima nos cargos diretivos das grandes empresas. O grito soa mais como manutenção de privilégio do que qualquer outra coisa.

O Brasil definitivamente não está pronto para debates sérios sobre temas delicados. Em se tratando de mercado de trabalho, o fenótipo ainda é fator determinante para a ocupação dos altos cargos da esfera privada, e alterar essa estrutura cristalizada deve ser ação primordial no âmbito reparatório. Apenas reconhecer privilégios e dizer que “vidas negras importam” não basta: é preciso tomar contundentes atitudes antirracistas que quebrem o monopólio da cor do mercado de trabalho. Nesse quesito, o Magazine Luiza parece dar um valioso e importante passo rumo às correções históricas.

Diante da histeria, nunca é demais reafirmar que a igualdade constitucional privilegia o tratamento igual a iguais, mas desigual a desiguais. Uma empresa gigante tomar uma medida desse porte pode fazer surgir um efeito cascata para muitas outras. É uma atitude notabilíssima, que merece ser valorizada e, mais que isso, copiada país afora.