Volta às aulas sem vacina: quando o lobby das escolas particulares decide brincar de roleta-russa

Volta às aulas sem vacina: quando o lobby das escolas particulares decide brincar de roleta-russa

Não é de agora que se percebe uma batalha política e ideológica em torno do coronavírus. De um lado, os destemidos que entendem que a fatalidade pandêmica é inevitável e não há o que fazer senão encará-la sem medo. Para eles, as baixas seriam naturais, como em uma guerra. Do outro lado, a chamada “turma do fique em casa”, que procura seguir as recomendações emitidas pelos órgãos competentes na tentativa de amenizar a propagação do vírus e as mortes que ele causa. Com uma possível diminuição no assustador gráfico brasileiro da doença, os dois lados começam agora um embate pelo retorno ou não das aulas presenciais. E a conclusão a que se pode chegar sobre isso é meio óbvia: o Brasil ainda não está preparado para progredir nesse sentido.

Independentemente do lado em que se esteja, uma constatação quase unânime é a de que o país não soube lidar com a pandemia. Não houve planejamento coordenado, o desencontro de comando entre os poderes causou uma enorme desinformação e a batalha com a doença se deu claramente à brasileira, com nosso típico “jeitinho” de empurrar os problemas com a barriga, esperando que eles sumam de repente. Como não podia deixar de ser, o número de óbitos foi um dos maiores do mundo, bem como a taxa de contágio entre a população — até aqui, nenhuma novidade. Pois bem. Como imaginar que, após essa experiência trágica, as aulas presenciais possam respeitar algum protocolo e se reiniciar sem trazer uma nova onda de contaminações?

Primeiramente, o contexto é nebuloso. Um estudo da JAMA Pediatrics, divulgado recentemente, constatou a existência de uma carga virótica mais alta nas crianças do que nos adultos infectados com a covid-19. A despeito de apresentarem sintomas mais amenos — ou nenhum —, a transmissibilidade nesse segmento ainda é uma incógnita, e o contato com pessoas do grupo de risco pode fazer ressurgir o perigo de novos focos da doença. Não foi por outro motivo que a França, um dos países mais afetados, determinou a suspensão das aulas em mais de 80 escolas após a detecção de novos casos. Em Israel, após o surgimento de 1800 novos casos entre alunos, professores e funcionários, uma nova restrição de pelo menos três semanas foi decretada em todo o país. Na Espanha, a incerteza sobre a segurança da retomada une sindicatos em torno de uma greve geral.

Por aqui, com as medidas de flexibilização, praias, bares, praças e ruas voltaram a uma quase normalidade. Os apoiadores da retomada das aulas apontam justamente essa aparente contradição entre a falta de cuidados com o lazer e a celeuma com as escolas para embasar seus argumentos. Ainda que haja um forte lobby, é preciso entender que o país não tem nenhum preparo, principalmente nas escolas públicas, para um retorno seguro e que siga protocolos rígidos. Na verdade, um retorno precipitado pode desencadear um salto nos números da doença, algo especialmente preocupante em uma nação que já sofre com um dos piores índices de contaminação de todo o planeta. Se as escolas não souberam lidar nem com a organização de aulas remotas, imagine-se com a estruturação necessária para o combate ao contágio. É certo que sem um plano sério, e com o despreparo que se viu até agora, o retorno presencial será tão seguro quanto jogar roleta-russa. Em se tratando de Brasil, nada que surpreenda.