Cada “cala a boca” a um jornalista é, antes de tudo, um afago nas trevas

Cada “cala a boca” a um jornalista é, antes de tudo, um afago nas trevas

Parece um grande clichê repetir o mantra de que a imprensa livre é um dos pilares da democracia. A liberdade de expressão, consubstanciada na ideia de noticiar os fatos diários, é um valor que, antes de tudo, serve de resguardo para o bom funcionamento das instituições do país. Até mesmo pelas dificuldades enfrentadas em um período recente da história brasileira, qualquer espécie de restrição à imprensa faz ligar o alerta para passíveis acenos autoritários. No Brasil atual, com todos os ataques sofridos diariamente, não seria absurdo pensar que há, no mínimo, um flerte com a criminalização do livre jornalismo. E essa preocupação vai ao patamar mais elevado quando esses atos são institucionais e constantes.

Defender o livre jornalismo é, sobretudo, lutar pelo direito à informação. A liberdade de imprensa, abarca o direito de informar e de ser informado, de criticar e de ser criticado, desde que haja um respeito aos limites anteriores ao sensacionalismo calunioso — o que afeta tão somente a credibilidade do veículo.

O jornalismo oferece um bem público essencial à democracia: a apuração da informação. Infelizmente, a consequência prática natural às revelações da imprensa, são atos deliberados contra a liberdade de expressão. Ataca-se primordialmente o veículo em vez de o fato.

Pois bem. Dados da Aberd (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) apontam que, apenas no ano passado, a imprensa profissional sofreu nada menos do que 11 mil ataques por dia. Mais do que isso, a pesquisa indicou que, de todas as postagens do presidente da República no Twitter, quase 500 delas continham referência críticas ou insinuações a atuação da imprensa no país. Um relatório da entidade Repórteres Sem Fronteiras, corroborando com essa situação, apontou que o presidente ataca os jornalistas uma vez a cada três dias, no que parece constituir uma estratégia deliberada no intuito de descredibilizar os meios de imprensa perante a população.

O período do regime de exceção, pelo qual passou o Brasil, foi marcado pela supressão parcial do direito fundamental à comunicação, com revistas, televisões, jornais e rádios não podendo expor suas opiniões pela implacável censura estatal. De lá para cá, houve um amadurecimento consensual de que o sentido de liberdade de expressão quase que se confunde com o de democracia. Esse exímio respeito, aliás, balizou os ditames constitucionais brasileiros, tornando central o papel da imprensa como verdadeiro poder crítico da República.

Um cristalino indício de ruína de democracias é justamente o tratamento da imprensa como uma inimiga. Criminalizar a atuação de jornalistas é um dos primeiros passos para se caminhar rumo a regimes totalitários. Cenas como as de agressão a repórteres em manifestações, aliadas aos constantes ataques institucionais à imprensa, trazem à tona uma clara tendência ao autoritarismo. Se a atuação de jornalistas incomoda quem exerce o poder, quem deve deixar o cargo que ocupa não são os profissionais da comunicação, mas sim o incomodado. O papel do jornalista é exatamente o de denunciar e investigar. Criminalizar essas atitudes é um claro sinal de que a democracia, para alguns, só existe para aliados e bajuladores. E cada “cala a boca” a um jornalista é, antes de tudo, um grande afago nas trevas.