Chegou a hora de as escolas baixarem a bola e entenderem que quem educa são os pais

Chegou a hora de as escolas baixarem a bola e entenderem que quem educa são os pais

Fotografia: Light Field Studios / Shutterstock

A educação é, indiscutivelmente, um direito fundamental que alicerça e orienta o futuro de um país. Ela também se relaciona com a dignidade de cada pessoa, na medida em que condiciona o ser humano ao crescimento intelectual necessário para o futuro e pleno exercício da cidadania. O desenvolvimento da criança em formação, todavia, sempre foi uma atividade — na prática — inquestionavelmente centrada na figura das instituições de ensino. Contudo, com a pandemia que assola o país, ficou nítido que a hegemonia escolar precisa ser compartilhada com quem melhor pode auxiliar na estruturação dos menores em fase de aprendizagem: a família.

A prioridade da educação é uma garantia a ser buscada incessantemente e em uníssono pela sociedade plural: família, comunidade e Estado devem caminhar juntos em prol de um ideal educacional que atenda às necessidades da criança. Entender a educação como um processo de formação que se desenvolve também no seio da família é compreendê-la como parte integrante de um sistema de liberdade de concepções pedagógicas. Assim, não há como se conceber uma formação educacional completa dissociada da participação efetiva da família da criança — compreendida em todas as suas formas.

Com a pandemia do coronavírus, a realidade do ensino no Brasil precisou ser drasticamente alterada. A experiência nada agradável de isolamento social acarretou a suspensão das aulas presenciais enquanto os efeitos do vírus permanecerem sem a apresentação de uma solução eficaz pelas autoridades de saúde do mundo. Com isso, as escolas criaram — meio às pressas — e passaram a oferecer um sistema de ensino a distância que logo mostrou-se bastante ineficaz, em decorrência da falta de preparo para uma situação emergencial como a que vivemos. Assim, pais e educadores se encontram em constantes embates sobre a real efetividade do ensino ministrado pelas escolas. O debate, contudo, não está nem perto de chegar a uma solução satisfatória.

A lei que rege a educação no país é de 1996. Obviamente, o mundo atual não condiz com regras de quase 20 anos atrás, ainda que várias emendas à lei tenham sido efetuadas ao longo desse tempo. Contudo, dela se extraem as diretrizes de como se deve proceder com relação ao ensino em geral no país. A carga horária mínima anual para a educação infantil, por exemplo, é fixada em 800 horas-aula, divididas em 200 dias de efetivo trabalho escolar. Além disso, deve haver um atendimento à criança de, no mínimo, quatro horas diárias no turno parcial e sete no integral. Já a educação a distância, no ensino fundamental, é válida apenas como complementação — isso, claro, nas condições normais. Mas a lei ressalva justamente a possibilidade de EAD para situações emergenciais, como a de agora.

Tendo em vista essas noções básicas, como poderiam as escolas propiciar um ensino de qualidade e atender às cargas horárias citadas com as evidentes impossibilidades físicas criadas pelo momento que vivemos? Obviamente, não se pode exigir as mesmas condições de vigilância e cuidado por parte dos educadores institucionais, mas o trato com o ensino mereceria cuidado redobrado para fazer valer o alto custo das mensalidades cobradas pelas escolas. Por sinal, as instituições de defesa do consumidor, como o PROCON, indicam que deve haver descontos nos valores pagos às instituições privadas, tendo em vista o barateamento dos custos de execução. Nada mais justo.

Ao mesmo tempo, foi preciso esse choque de realidade para as entidades escolares entenderem que, de fato, a participação da família é imprescindível para a formação da criança. É fato que, nos meses de forçada reclusão, vive-se um estado experimental de velado homeschooling — prática que, aliás, é regularizada em mais de 60 países e cuja constitucionalidade a Suprema Corte brasileira já apontou como dependente apenas de regulamentação. Como, historicamente, a intermediação familiar sempre foi relegada a segundo plano, ou até considerada dispensável, as escolas não se prepararam para oferecer aos pais, nessas condições extraordinárias, as ferramentas necessárias para o acompanhamento dos estudos de seus filhos. E isso é bastante preocupante.

A princípio, as aulas online são ministradas basicamente através de vídeos a que as crianças devem assistir antes de fazer suas tarefas diárias. Mas os alunos, fora da realidade dos uniformes e do estático recinto sem distrações da sala de aula, sem a companhia dos colegas, em um mundo diferente, não estão conseguindo manter a mesma atenção, e o ensino acaba sendo extremamente ineficiente. Isso, obviamente, em se tratando de crianças que são privilegiadas o suficiente para ter esse aparato educacional em casa. Nem é possível mensurar o prejuízo das crianças mais necessitadas, que dependem única e exclusivamente das notoriamente difíceis condições do ensino público — salvo as exceções que confirmam a regra.

Na verdade, em um contexto geral, os dados apontam que a educação presencial já não vinha se sustentando como suficientemente satisfatória. Para que se tenha uma ideia dessa situação, basta fazer uma rápida análise, por exemplo, dos dados amostrais do Pisa de 2018, no qual o Brasil se manteve estagnado nas últimas posições de leitura, ciências e matemática — e não só naquele ano, mas durante uma década inteira. Nada surpreendente. Após se portar durante todos esses anos como os elos mais importantes na corrente de formação das crianças, as escolas estão se vendo agora sem a necessária sintonia com a família dos alunos — por total despreparo diante da alarmante situação. Assim, despenca a credibilidade do ensino formal, que pode acabar passando a ideia de que as escolas estejam apenas “empurrando a situação com a barriga” até que tudo volte ao normal.

Todo momento pode nos dar boas lições, por mais crítico e atípico que possa parecer. Diante da paralisação das atividades de ensino perante um inimigo invisível como o coronavírus, pais, instituições e a sociedade devem repensar e buscar uma melhor maneira de guiar os primeiros passos dos pequenos alunos na escola da vida. A formação de uma criança depende, necessariamente, de uma ação conjunta e solidária entre esses pilares, para que surja um sistema educacional efetivo, com falhas e lacunas minoradas. Para tanto, é preciso que as escolas entendam o real papel da família e construam, pelo constante diálogo, um liame que leve a um ensino conjunto e de qualidade. Isso, sem dúvida, possibilitará uma luz no fim do túnel da atual — desestruturada e desastrosa — educação fundamental do país. Mas, para isso, é preciso um quê de boa vontade.