O Irlandês, assassino do filme de Scorsese, apoiou Joe Biden para o senado em 1972

Apontado como obra-prima pelos principais críticos de cinema, “O Irlandês”, de Martin Scorsese, com os atores Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci, relata a história de Frank Sheeran, o Irlandês que, sob o comando de Russell “Russ” Bufalino, se tornou um assassino da Máfia. O livro “O Irlandês — Os Crimes de Frank Sheeran a Serviço da Máfia” (Seoman, 310 páginas, tradução de Drago) resulta de um amplo depoimento do matador colhido por Charles Brandt, um ex-promotor e advogado americano. Brandt intervém, escreve textos curtos e esclarece pontos do depoimento. O pesquisador Arthur Sloane é autor de uma biografia reputada de Jimmy Hoffa (James Riddle Hoffa), o presidente do Sindicato dos Caminhoneiros — a Fraternidade Internacional dos Caminhoneiros —, mas não conseguiu apresentar uma explicação convincente para o desaparecimento do líder sindical.

Em 2004, depois de ouvir longamente Frank Sheeran, o pesquisador Brandt conseguiu finalmente explicar quem matou Hoffa e por quê (tanto que seu livro é elogiado por Arthur Sloane, professor categorizado. “Você solucionou o mistério de Hoffa”, disse a Brandt).

O Irlandês
O Irlandês — Os Crimes de Frank Sheeran a Serviço da Máfia (Seoman, 310 páginas, tradução de Drago), de Charles Brandt

O Sindicato dos Caminhoneiros tinha um fundo de 1 bilhão de dólares, que, a partir da gestão de Frank Fitzsimmons, passou praticamente a ser administrado pela Máfia. Hoffa, apesar de ligado à Máfia (que aplicava, por exemplo, em construção de imóveis), que o protegia, mantinha o controle do fundo com mão de ferro.

Ao sair da prisão, Hoffa alardeou que seria candidato a presidente do sindicato e ameaçou que poderia denunciar malfeitos de Fitzsimmons — o Fitz —, o que fatalmente atingiria a Máfia. Então, o chefão Russell Bufalino (conhecido como Russ e McGee), nascido na Sicília, advertiu-o de que não deveria ser candidato. Hoffa resistiu e, por isso, Rosario Bufalino (seu nome italiano) mandou O Irlandês alertá-lo.

O Irlandês era amigo de Hoffa. Os dois se adoravam. Frank Sheeran havia sido beneficiado pelo sindicato na gestão de Hoffa, mas não na de Fitzsimmons. Entretanto, pressionado por Russ Bufalino, seu chefe e mentor, o pistoleiro alertou o sindicalista do perigo de contrariar a Máfia.

Mesmo sob pressão da Máfia, Hoffa resistia e era o favorito na disputa pela presidência do sindicato. Mas Russ Bufalino entrou em campo e mandou O Irlandês matá-lo. A rigor, Frank Sheeran não queria aceitar a incumbência, mas nada disse. Porque sabia que, se não aceitasse a ordem do mafioso-chefe, também seria empacotado junto com Hoffa.

Por isso, no fim de julho de 1975, O Irlandês atraiu Hoffa para uma casa e, lá, o matou. O sindicalista era astuto e desconfiado, mas Frank Sheeran era um de seus melhores amigos e protetores. Pode-se dizer que era capanga tanto de Russ Bufalino quanto de Hoffa. Mas o mafioso era mais poderoso e o pistoleiro teve se alinhar com ele — traindo o amigo. Depois de ter cometido o crime, passou a beber de maneira descontrolada.

“Hoffa desapareceu” — os jornais anunciaram. Em seguida ao assassinato, o corpo foi cremado a mando de Russ Bufalino. De fato, nada sobrou do sindicalista. Mas o FBI, baseado em outros crimes, levou tanto o mafioso quanto O Irlandês para a cadeia. Tudo indica que alguém deu com a língua nos dentes.

Conexões perigosas

Frank Sheeran, bancado por Russ Bufalino e Hoffa, também se tornou sindicalista. Ele dirigia uma unidade do Sindicato dos Caminhoneiros (chegou a dirigir caminhões). Em 1972, haveria eleições para o Senado dos Estados Unidos. O senador Caleb Boggs, republicano, quis falar aos trabalhadores sob o comando de O Irlandês.

Como considerava Caleb Boggs “antissindicalista”, O Irlandês não permitiu que falasse aos sindicalizados que atuavam no Local 326. A comissão executiva aprovou, porém, que o jovem Joe Biden falasse aos caminhoneiros.

O Irlandês disse ao democrata Joe Biden: “É claro. Venha”. Os caminhoneiros apoiavam o presidente Richard Nixon. Hoffa, para sair da cadeia mais cedo, chegou a subornar seu procurador-geral, John Mitchell.

“Joe Biden era apenas um rapazola, comparado a Caleb Boggs. Ele veio e fez seu discurso — e revelou-se um excelente orador. Ele fez um discurso realmente muito bom a favor do sindicalismo para os nossos companheiros”, relata O Irlandês. “Ele disse que as suas portas estariam sempre abertas para os Caminhoneiros.”

Pois o assassino profissional passou a apoiar Joe Biden para o Senado — deixando de lado o republicano Caleb Boggs (desde o governo de John Kennedy, sobretudo por causa de Bob Kennedy, a Máfia, que havia apoiado o democrata para presidente, mudara de lado, passando a bancar os republicanos, sobretudo Richard Nixon).

“Eu disse a ele [um advogado que apoiava Caleb Boggs] que já estava ao lado de Biden”, sublinha O Irlandês. Joe Biden foi eleito senador, pelo Estado de Delaware, aos 30 anos de idade.

Caleb Boggs e Joe Biden se desentenderam durante a campanha. O primeiro dizia que Joe Biden havia distorcido “os números relativos aos eleitores registrados que votariam nele”. O Irlandês permitiu a impressão de jornais, mas vetou a circulação, por intermédio de piquetes bem orquestrados. Ele não queria que os jornais circulassem com encartes pró-Caleb Boggs e contra Joe Biden.

Terminada a eleição, um dia depois, os jornais voltaram às bancas. “Dizem que esta foi a manobra que elegeu o senador Joe Biden. Especialmente os republicanos dizem que se aqueles encartes editados pelos partidários de Boggs tivessem sido distribuídos com os jornais, isso teria causado muitos danos à imagem de Joe Biden. Se os anúncios tivessem circulado, tal como quase o fizeram, naquela última semana da eleição, não teria havido tempo para que Biden reparasse os danos à sua imagem”, conta Frank Sheeran.

“Não tenho como saber se Joe Biden algum dia soube que aquele piquete fora organizado propositalmente em seu benefício. Se ele soube, jamais me disse uma só palavra a respeito”, afirma o homem da Máfia.

“O que eu sei é que, ao tornar-se um senador dos Estados Unidos, o sujeito soube manter-se fiel à palavra empenhada aos nossos companheiros. Se você precisasse que ele lhe estendesse a mão, ele o ouviria”, afirma o mafioso Frank Sheeran, O Irlandês.