O melhor livro brasileiro de 2018

O melhor livro brasileiro de 2018

Aristófanes e Sócrates entram num bar. Quer dizer, numa cela. Sim, é uma piada, mas você ainda não conhece, presta atenção. Esse é o plot do livro brasileiro mais inusitado do ano. Nelson Moraes, o popular “almirante” (ou “ao mirante”, dependendo do dia) junta o fundador da filosofia ocidental a um dos inventores da sátira. Juntos, os dois têm de descobrir quem é o serial killer que está à solta em Atenas matando filósofos.

O problema é que Sócrates está em cana, condenado à morte por ofender os imortais do Olimpo e os mortais da Grécia, e aguarda que um navio traga à cidade o veneno que o matará. Assim, quem tem de ir a campo em busca de pistas é Aristófanes. A solução engenhosa do Nelson lembra os romances policiais de Rex Stout com Nero Wolfe, o detetive glutão e obeso que não sai de casa, deixando todo o trabalho duro para seu assistente, Archie Goodwin. Mas o livro também faz par com a criação de Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares, Dom Isidro Parodi, um detetive aprisionado que consegue provar a inocência de qualquer pessoa, menos a dele.

Como se vê, o autor está em ótima companhia, mas, não contente, ainda junta na mistura toda a filosofia pré-socrática, já que o ardiloso criminoso parece brincar com a inteligência e o poder dedutivo dos dois protagonistas. E embora a trama se passe no século 4 a.C., ele também se aventura em duas discussões que continuam nos atormentando até hoje — talvez mais hoje do que ontem:

1) pra que serve a filosofia? e 2) qual o limite do humor?

A Gargalhada de Sócrates, de Nelson Moraes
A Gargalhada de Sócrates, de Nelson Moraes (Amazon)

O satirista Aristófanes esculhambou os deuses e o mundo, jogando seu sarcasmo pra cima de políticos, poetas, filósofos e o próprio Sócrates. Na peça “As Nuvens”, o comediante o compara aos sofistas, um bando de Cortellas que saíam de cidade em cidade para recitar obviedades e ganhar um dinheirão. Sócrates era bem mais do que isso, claro, especialmente porque usava de provocação e ironia no seu método filosófico. No entanto, há historiadores que acreditam que a peça de Aristófanes ajudou a enlamear o bom nome do pensador, levando à sua condenação.

O livro é alta comédia e, por isso mesmo, bem mais sério que qualquer literatura séria que esteja nas prateleiras. Ah, aliás, “A Gargalhada de Sócrates” não está em nenhuma prateleira, mas existe apenas no éter, em forma de livro digital, o que é uma coisa demais de platônica. E isso me faz lembrar meu único e pequeno reparo ao livro: Platão não aparece na trama, o que faz sentido na história, mas também impede as inevitáveis piadas com o mais notório baba-ovo da antiguidade. Vou aguardar a sequência.

Edson Aran é escritor, jornalista, roteirista e humorista. Editor do Republica dos Bananas.