No país do mito, a cultura pega fogo

No país do mito, a cultura pega fogo

A maioria dos leitores já deve ter conhecimento do acervo que constituía o Museu Nacional do Rio de Janeiro, que acaba de ser incinerado menos pelo fogo do que pela negligência. Uns dizem que era o passado. Mas “passado” não é aquilo que guardamos nos museus (isso é História viva). Passado é no que um museu se transforma quando pega fogo.

Ao contrário do que sugeriu o prefeito do Rio de Janeiro, pode-se reconstruir o prédio, mas não seu conteúdo de impressionantes 20 milhões de itens — peças únicas que se perderam para sempre. Imagem de um país que adora cultuar mitos de terceira categoria, as chamas da burrice se alastram e ferem de morte o que nos resta de civilização. Definitivamente, cumprimos bem o papel de povo inculto!

No que era o Museu Nacional — então residência da família imperial pelos idos de 1821 — foi assinada, pela princesa regente Maria Leopoldina, em reunião com o Conselho de Estado, a Independência do Brasil. O documento livrou-nos de Portugal, mas não da burrice congênita dos nativos.

O que aconteceu envergonharia D. João VI, o príncipe ilustrado que fundou o museu, uma das mais importantes instituições científicas, educacionais e culturais do hemisfério Sul. À qual a República atual — inimiga dos orçamentos públicos — deu uma banana. D. João VI a criou, quase se pode dizer que nossos governantes a destruíram.

Ironicamente instalado na Quinta da Boa Vista, o Museu Nacional já não faz boa figura ao país dos descalabros. De tanto fechar os olhos à instituição, por fim restou-nos cobrimos a cara. Vexaminoso. Imperdoável.

Digno de nota, Luzia, o fóssil mais antigo das Américas — ali guardado — conseguiu sobreviver 12 mil anos, mas não sobreviveu ao Brasil contemporâneo e a seus políticos. Estaria a salvo — tanto ela quanto os fósseis de dinossauros — se continuassem enterrados.

Não há ameaça maior à cultura do que políticos imbecis — e ao que parece caminhamos para uma nova tragédia política. Parece que ao invés de evoluir gostamos de regredir. Os museus brasileiros que se cuidem!