Há diretores que indicam filmes como quem organiza uma vitrine, com cortes apressados e justificativas técnicas. Denis Villeneuve parece operar em outra frequência. Quando menciona algo que viu e o marcou, o gesto não soa publicitário nem casual. Soa como quem compartilha uma experiência interna, sem muito interesse em explicá-la. Esse tipo de recomendação não é fácil de classificar, mas diz muito sobre quem a faz. E, nesse caso, diz ainda mais sobre os filmes. Basta olhar com calma para cinco títulos que já foram mencionados pelo diretor em entrevistas ou festivais e que hoje estão disponíveis na Netflix. “Oppenheimer”, de Christopher Nolan, por exemplo, poderia facilmente ser um filme de Villeneuve, não pelo estilo, mas pela obsessão com o tempo, a culpa e o poder destrutivo do pensamento. “Fragmentado”, de M. Night Shyamalan, ecoa o interesse por estados mentais limítrofes, onde a realidade se fragmenta sem aviso. “O Irlandês”, de Martin Scorsese, é pura reverberação. Um épico que dissolve a glória do passado em silêncio constrangedor, quase como uma elegia. Já “Cabo do Medo”, também de Scorsese, faz o caminho oposto. Tudo nele é tensão em estado bruto, a moral em confronto direto com o medo e a obsessão.
Por fim, “Um Lugar Silencioso — Parte II”, de John Krasinski, parece o mais distante do universo de Villeneuve, mas talvez por isso mesmo funcione. É um exercício de contenção narrativa, onde o som vira limite e linguagem. Juntos, esses cinco filmes não formam uma coleção coesa em termos de gênero ou origem, mas compartilham uma mesma inquietação latente. Não é preciso ver todos de uma vez, nem na ordem. Mas assistir a qualquer um deles com atenção plena pode provocar o tipo de desconforto que não incomoda. Apenas desloca. Villeneuve talvez nunca tenha dito isso exatamente, mas parece entender que certos filmes não servem para passar o tempo. Servem para ficar com ele. Ou atravessá-lo. E quando isso acontece num fim de semana qualquer, o que poderia ser apenas mais uma rolagem de catálogo vira, de repente, um mergulho. Breve, sim. Mas ainda assim um mergulho.

Dirigido por Christopher Nolan, este drama biográfico retrata a trajetória de J. Robert Oppenheimer, físico responsável por liderar a criação da primeira bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial. O filme acompanha desde sua formação acadêmica e ascensão como cientista até os momentos de maior tensão política, quando passou a ser investigado pelo governo dos Estados Unidos. Com narrativa não linear e estrutura densa, a produção intercala cenas técnicas, debates morais e conflitos pessoais, construindo um retrato profundo de um homem dividido entre o orgulho pela ciência e o peso de sua contribuição para a destruição em massa. Cillian Murphy interpreta o protagonista com precisão contida, cercado por um elenco de apoio que inclui Robert Downey Jr., Emily Blunt e Matt Damon. O filme se destaca pela recriação visual rigorosa, trilha sonora intensa e direção de arte impecável, resultando em uma obra que reflete sobre poder, ética científica e as cicatrizes deixadas pela guerra.

Nesta sequência direta do suspense pós-apocalíptico lançado em 2018, a história retoma os passos de uma família que tenta sobreviver em um mundo dominado por criaturas letais que caçam usando a audição. Após os eventos traumáticos do primeiro filme, os sobreviventes partem em busca de um novo abrigo e se deparam com outros grupos e estratégias de sobrevivência. O longa amplia o universo narrativo, revelando mais sobre a origem das criaturas e as possibilidades de resistência. A direção de John Krasinski aposta novamente em recursos visuais silenciosos, cortes secos e trilha quase ausente, reforçando o papel dramático do som como ameaça constante. Emily Blunt lidera o elenco, acompanhada por Millicent Simmonds, Noah Jupe e Cillian Murphy, que entra como um personagem enigmático. A produção mantém o alto nível de tensão e ritmo ágil, equilibrando cenas de ação com momentos de introspecção familiar. É um filme de gênero que prioriza atmosfera, urgência e impacto sensorial direto.

Neste épico criminal dirigido por Martin Scorsese, a vida de Frank Sheeran é narrada em retrospectiva, revelando sua atuação como matador a serviço de organizações sindicais e mafiosas nos Estados Unidos. Ao longo de décadas, o protagonista transita entre cargos operacionais e relações com figuras poderosas do crime, incluindo políticos e líderes sindicais. O filme explora com profundidade os bastidores do poder, a banalização da violência e o custo humano de decisões feitas em nome da lealdade. Com ritmo deliberado e atmosfera melancólica, a narrativa prioriza o desgaste psicológico dos personagens, evidenciando o isolamento e a perda como consequências inevitáveis de uma vida no submundo. A direção é precisa, a fotografia é sóbria e a trilha sonora é discreta, mas eficiente. O elenco principal, formado por Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci, entrega atuações contidas e impactantes. A obra representa uma espécie de acerto de contas final dentro da filmografia de Scorsese.

Neste thriller psicológico dirigido por M. Night Shyamalan, um homem com transtorno dissociativo de identidade sequestra três adolescentes e as mantém presas em um local isolado. Ao longo da trama, o espectador conhece várias das personalidades do protagonista, que variam entre figuras dóceis, manipuladoras, infantis e perigosas. A tensão aumenta à medida que uma nova e misteriosa identidade começa a se manifestar, colocando em risco a vida das vítimas. A atuação de James McAvoy é o ponto alto do filme, transitando com fluidez entre diferentes vozes, posturas e estados emocionais. A direção aposta em suspense crescente, uso expressivo do espaço físico e atmosferas opressivas, mantendo o público em estado constante de alerta. Além do terror psicológico, o filme também aborda traumas, mecanismos de defesa da mente humana e a tênue linha entre fragilidade e força. A produção marca a retomada de Shyamalan ao gênero que consagrou sua carreira, com uma proposta instigante e provocadora.

Sob direção de Martin Scorsese, esta versão atualizada de um clássico do suspense acompanha a história de Max Cady, um ex-presidiário obcecado em se vingar de seu antigo advogado, Sam Bowden. Após cumprir pena, Cady passa a assediar o advogado e sua família, usando brechas legais para manipular a situação e instigar o medo psicológico. Com uso intenso de recursos visuais estilizados e trilha sonora ameaçadora, o filme constrói um clima constante de paranoia e tensão crescente. Robert De Niro entrega uma performance intensa e perturbadora, enquanto Jessica Lange e Juliette Lewis completam o núcleo familiar cercado pelo pânico. A narrativa levanta questões sobre moralidade, limites da justiça e a fragilidade das instituições quando confrontadas com a inteligência obsessiva de um antagonista. Mais do que um suspense, é um estudo sobre medo e impotência diante da ameaça, com direção que alterna momentos explosivos e silêncio inquietante, mantendo o espectador desconfortável do início ao fim.