O ex-Batman que virou motivo de piada — até protagonizar este filme insano e ser indicado ao Oscar Alison Rosa / Fox Searchlight

O ex-Batman que virou motivo de piada — até protagonizar este filme insano e ser indicado ao Oscar

“Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)”, é um filme que transcende os limites do drama, da comédia e da crítica social. “Birdman” é, antes de tudo, uma reflexão profunda e provocativa sobre identidade, fama, arte e a ânsia quase irracional por pertencimento. Alejandro González-Iñárritu concentra em Riggan Thomson, um ator caído em desgraça que já foi mundialmente famoso por interpretar o super-herói Birdman em uma franquia de filmes de sucesso, muito das neuroses do nosso tempo, uma época de celebridades tão instantâneas quanto descartáveis, mas capazes de roubar qualquer chance de artistas como ele que, ao menos, tentam reinventar-se. Iñárritu e os corroteiristas Nicolas Giacobone, Alexander Dinelaris e Armando Bo vão e voltam em referências metalinguísticas, ao passo que deixam evidente a intenção de mirar a persona de Riggan e fazê-la conduzir os trabalhos. E a escolha de Michael Keaton para viver o protagonista, por óbvio, não é mera coincidência.

Um dos pulos do gato em “Birdman” é dar a impressão de que suas duas horas transcorrem numa única tomada. Iñárritu cerca-se de parceiros a exemplo do amigo Emmanuel Lubezki para garantir que o público note a instabilidade de Riggan, um homem que literalmente flutua entre um e outro quadro, tentando levar sua montagem de “De Que Falamos Quando Falamos de Amor” (1981), de Raymond Carver (1938-1988), escrita, estrelada e dirigida por ele. O empenho de Lubezki, cujo trabalho mereceu o Oscar de Melhor Fotografia — o longa ganhou ainda as estatuetas de Melhor Filme, Direção e Roteiro Original, além de Lubezki já ter levado o prêmio da Academia no ano anterior, por “Gravidade” (2013) e ser novamente agraciado por “O Regresso” (2015), mais uma vez com Iñárritu, em 2016 —, começa a fazer efeito já no primeiro ato, quando Riggan é obrigado a dar a volta pelo teatro e chegar, de cueca, a uma Times Square lotada de turistas, caçadores de autógrafos, carrinhos de comida e artistas de rua. Apesar do dantesco da cena, ele conserva o ânimo, e assim o diretor vai fornecendo ao público algumas pistas sobre o temperamento resiliente de seu anti-herói, o que fez com que alguns críticos forçassem a barra e dissessem que Keaton, como se assiste no “Batman” de Tim Burton em 1989.

O elenco de apoio contribui significativamente para a densidade pretendida por Iñárritu. Edward Norton interpreta Mike Shiner, um ator talentoso e excêntrico que representa a encarnação do “artista puro”, mas também expõe a hipocrisia e a vaidade por trás da atuação teatral. Emma Stone, como Sam, filha de Riggan e sua assistente, simboliza uma geração cética e desencantada. Em um dos diálogos mais impactantes, ela confronta o pai ao dizer que ele é irrelevante e que ninguém se importa com a sua peça — um golpe cruel que resume a angústia de Riggan em querer ser notado em um mundo obcecado por mídia e superficialidade. O título do filme, com seu subtítulo “A Inesperada Virtude da Ignorância”, é carregado de ironia. Sugere que talvez a ignorância — ou o distanciamento da crítica e da autoconsciência — possa ser libertadora. Riggan, ao buscar relevância por meio da arte refinada, acaba mergulhado em uma jornada de autodestruição que só encontra alívio no momento em que ele “voa” — seja literal ou simbolicamente. O final do filme é ambíguo e permite múltiplas interpretações: Riggan morreu? Ele finalmente se libertou de Birdman? Ou encontrou uma nova forma de existência artística? A resposta não é clara, e essa abertura é uma das forças do roteiro.

A trilha sonora de Antonio Sánchez, composta quase inteiramente por percussões de jazz improvisadas, reforça o clima caótico e visceral do filme. A música acompanha os estados emocionais dos personagens, criando uma sensação de urgência e inquietação. É mais um elemento que integra forma e conteúdo de maneira inovadora. Em suma, Birdman é uma obra complexa, audaciosa e profundamente humana. Combinando técnica cinematográfica de alto nível, atuações memoráveis e um roteiro denso em simbolismo e crítica social, Iñárritu constrói uma fábula moderna sobre o ego, a arte e a eterna busca por significado. O filme não oferece respostas fáceis, mas convida o espectador a questionar a si mesmo: o que estamos dispostos a sacrificar para sermos vistos? E, mais importante, o que realmente importa no fim das contas — o aplauso ou a verdade?

Filme: Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
Diretor: Alejandro González Iñárritu 
Ano: 2014
Gênero: Comédia/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.