Jake Gyllenhaal e Anne Hathaway em um dos romances mais incríveis e menos clichês do cinema — na Netflix Divulgação / Twentieth Century Fox

Jake Gyllenhaal e Anne Hathaway em um dos romances mais incríveis e menos clichês do cinema — na Netflix

Havia, na superfície reluzente das campanhas publicitárias de “Amor e Outras Drogas”, a promessa de mais uma comédia romântica esquecível — dessas embaladas por beijos sincronizados ao pôr do sol e diálogos afiados o suficiente para sustentar uma tarde morna. Mas o filme, em sua essência menos previsível, atravessa essa camada promocional com a precisão de quem sabe que o verdadeiro drama raramente vem com trilha sonora otimista. O que se desenrola na tela é menos sobre o brilho de um romance e mais sobre o desgaste invisível de dois corpos em direções opostas: um em ascensão, outro em erosão. No centro dessa colisão emocional estão Jamie e Maggie — ele, vendedor de fármacos movido por ambição e charme, ela, uma jovem diagnosticada com Parkinson que se recusa a ser moldada pela pena ou pelo desejo alheio.

Essa recusa, aliás, não é apenas um traço de personalidade. É um grito silencioso contra a lógica da indústria que cerca os personagens: enquanto Jamie ascende vendendo pílulas que prometem controle — sobre a ereção, a dor, o humor —, Maggie confronta a perda lenta e irreversível do próprio corpo. Nesse contraste, o filme revela seu motor mais potente: a tensão entre o que se vende e o que se vive, entre o que se promete e o que realmente resta. Não se trata de uma simples história de amor interrompida por uma doença, mas de uma anatomia emocional do medo — medo da entrega, da dependência, do fim. E o que poderia facilmente escorregar para o melodrama é, por vezes, salvo por essa crueza inesperada, por uma escrita que evita adornos e uma direção que não tem vergonha da fragilidade.

O romance entre os dois protagonistas não segue os passos coreografados das comédias românticas tradicionais. Ele se arrasta, tropeça, recua, avança — como alguém aprendendo a andar novamente depois de uma queda séria. Jamie, que sempre operou sob a lógica da conquista fácil, vê-se diante de uma mulher que não precisa ser salva, mas sim compreendida. E Maggie, ciente da finitude de suas forças, resiste ao consolo que o amor promete, como se amar fosse, em si, mais exaustivo do que suportar os sintomas do Parkinson. O erotismo explícito, longe de ser gratuito, funciona como metáfora visual de um tempo em que o corpo ainda responde — antes que o tremor se instale como sentença.

É nesse ponto que o filme atinge uma dimensão mais rara: ele se pergunta o que resta do amor quando a vitalidade desaparece, quando o sexo deixa de ser espontâneo, quando o futuro não pode mais ser fantasiado em planos a dois. A resposta está nas pequenas renúncias — em carregar uma sacola pesada sem que o outro peça, em perder uma venda importante para não deixar alguém sozinho na sala de espera, em aceitar o desconforto de não poder consertar o que está se partindo. A atuação de Anne Hathaway não recorre a histrionismos: sua força está nos silêncios. É nos gestos econômicos, nas pausas carregadas de contenção, que Maggie se desenha como figura complexa — ao mesmo tempo resistente e exausta, lúcida e emocionalmente cercada. Jake Gyllenhaal, por sua vez, incorpora em Jamie não o herói transformado pelo amor, mas o homem desorientado por ele — alguém que descobre, tarde demais, que certas dores não se resolvem com performance ou carisma.

O filme flerta com o desequilíbrio tonal, por vezes usando a comédia como véu para o desespero. Mas talvez seja precisamente nessa oscilação — entre o riso e a perda, entre o orgasmo e a fragilidade — que o roteiro encontra sua pulsação mais honesta. A leveza que embala os primeiros encontros não é uma armadilha superficial, mas uma forma de sobrevivência: um modo de manter a doença à margem por mais alguns minutos. Quando a deterioração finalmente invade a cena, ela não interrompe o romance — ela o redefine. O espectador, que até então se acomodava no conforto da química entre os protagonistas, é convidado a encarar algo mais incômodo: a vulnerabilidade que não é bonita, que não tem redenção nem glamour. E é aí que o filme abandona qualquer pretensão de fábula e se aproxima de uma verdade rara no gênero: o amor, às vezes, não cura, mas sustenta.

Nada no desfecho de “Amor e Outras Drogas” obedece à lógica do fechamento perfeito. O que fica não é a resolução, mas o movimento. Não há redenção plena, apenas a escolha persistente de permanecer — não apesar da doença, mas com ela. Numa era em que as relações são muitas vezes construídas sobre a ilusão do controle e da perfeição física, o filme ousa propor uma intimidade radical: aquela que aceita a falência, a imprevisibilidade e o esvaziamento. O que resta entre Jamie e Maggie não é a promessa de eternidade, mas o compromisso silencioso de existir um para o outro enquanto for possível. E essa escolha, despida de heroísmo, é talvez a forma mais autêntica de liberdade que o cinema contemporâneo conseguiu traduzir em muito tempo.

Filme: Amor e Outras Drogas
Diretor: Edward Zwick
Ano: 2010
Gênero: Comédia/Drama/Romance
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★