Do mesmo diretor de “Extraordinário”, filme absolutamente encantador com Susan Sarandon acaba de chegar à Netflix Divulgação / Netfflix

Do mesmo diretor de “Extraordinário”, filme absolutamente encantador com Susan Sarandon acaba de chegar à Netflix

Existe uma forma de imortalizar alguém sem monumentos, sem palavras, sem lamentos? “Nonnas” propõe uma resposta silenciosa e inesperada: pela cozinha. Longe do glamour das superproduções e do cinismo das narrativas convencionais sobre perda, o filme conduz o espectador por um território menos explorado — aquele onde a dor é acolhida pela repetição dos gestos cotidianos, pelo calor de um fogão aceso e pela memória que se infiltra na massa feita à mão. Inspirado na história real do restaurante Enoteca Maria, localizado em Staten Island, o longa dribla expectativas e entrega uma narrativa que resgata não só receitas esquecidas, mas também mulheres esquecidas — e as transforma, não em coadjuvantes afetuosas, mas em protagonistas ferozes de uma revolução íntima.

No centro dessa história está Joe (Vince Vaughn), um homem simples, mecânico de ônibus na Nova York que pulsa longe dos cartões-postais, que perde a mãe e, com ela, perde também o fio invisível que o ligava ao próprio passado. O luto, em vez de paralisá-lo, catalisa uma ideia improvável: transformar um restaurante abandonado em um santuário culinário comandado por avós de diferentes origens. Não se trata apenas de preservar tradições — trata-se de devolver espaço, voz e importância àquelas que durante décadas cozinharam para outros sem jamais serem celebradas por isso.

O projeto, nascido da ausência, se converte em encontro. A decisão de reunir essas mulheres — interpretadas com densidade e sutileza por Susan Sarandon, Lorraine Bracco, Talia Shire e Brenda Vaccaro — não rende apenas situações pitorescas ou alívios cômicos previsíveis. Ao contrário, cada uma carrega nas mãos calejadas não apenas os ingredientes de um prato típico, mas também os silêncios, perdas e conquistas que moldaram suas histórias. Em um mundo que insiste em empurrar a velhice para a invisibilidade, Nonnas insurge como uma fábula social que devolve às mulheres maduras aquilo que o tempo e a cultura lhes roubaram: centralidade, complexidade e vigor.

A cozinha, nesse contexto, transcende sua função prática. Torna-se palco e confessionário, onde rancores adormecidos se aquecem ao lado do molho de tomate, onde reencontros familiares se tornam possíveis entre uma colherada e outra. Joe, interpretado com surpreendente contenção por Vaughn, abandona o sarcasmo habitual e entrega um personagem marcado por uma vulnerabilidade sincera. Sua interação com as nonnas revela não apenas a tentativa de reviver a presença materna, mas também o reconhecimento de um tipo de sabedoria que não cabe em manuais nem diplomas — a sabedoria transmitida de avó para neto, de mulher para mulher, de geração para geração.

A direção de Stephen Chbosky acerta ao não transformar o filme em uma peça edificante ou manipuladora. Conhecido por sua sensibilidade em narrativas de amadurecimento, Chbosky permite que a emoção surja dos detalhes: o vapor que embaça os óculos de uma das cozinheiras, a hesitação ao relembrar uma receita que não se escreve, apenas se repete. Cada cena parece cuidadosamente pensada para que a intimidade e a dignidade dessas personagens não sejam reduzidas a estereótipos. A escolha de filmar em um antigo restaurante de Nova Jersey, o extinto Spirito’s, adiciona uma camada poética: como se cada tijolo carimbasse a autenticidade do que ali se vive, como se a própria arquitetura contribuísse para a preservação da memória.

Ainda que a estrutura narrativa caminhe por terrenos já conhecidos — do fracasso inicial ao êxito coletivo —, “Nonnas” encontra sua força não na surpresa do roteiro, mas na autenticidade da sua origem. O filme se ancora na história real de Joe Scaravella, que, após a perda da mãe, decidiu construir um espaço onde a ancestralidade não fosse um tema expositivo, mas uma prática diária. O resultado é uma narrativa que, apesar de ficcionalizada, se sustenta pela verdade emocional que carrega. Há algo de revolucionário no gesto de transformar luto em comunidade, dor em celebração, ausência em partilha.

O roteiro, escrito pelo próprio Scaravella, escapa do didatismo comum a muitas histórias baseadas em fatos. Ele não tenta provar nada; apenas convida o espectador a sentar à mesa. E o que se serve ali é algo mais profundo do que comida: é pertencimento, é resistência, é cura. Em um tempo em que tudo é descartável e acelerado, Nonnas nos lembra da beleza que existe no preparo lento, no cuidado silencioso, na generosidade que se manifesta em pequenos rituais familiares.

Mais do que um elogio à culinária tradicional, o filme é um manifesto em defesa da memória como ferramenta de reconstrução afetiva. Ao devolver às mulheres idosas a centralidade narrativa e simbólica, “Nonnas” reescreve silenciosamente os papéis que lhes foram atribuídos — de guardiãs discretas a agentes do afeto coletivo. Nenhuma delas é tratada como símbolo ou metáfora; todas são retratadas como indivíduos inteiros, com desejos, frustrações, alegrias e traumas. Isso faz com que cada prato servido carregue não apenas sabor, mas identidade.

“Nonnas” não pretende ser um tratado sociológico ou um drama comovente. Seu poder está justamente na delicadeza com que costura as lacunas entre gerações, resgatando memórias que insistem em resistir ao esquecimento. É um filme que cozinha devagar — e por isso mesmo alimenta profundamente. Não há ali grandes reviravoltas ou lições mastigadas. Há, sim, um convite: a olhar com outros olhos para aquelas que sempre estiveram ali, silenciosas, preparando o próximo prato, enquanto o mundo girava sem notar.